Os números nocauteiam a crença de que construir UTIs resolve o problema da covid-19. Para compreender melhor, é preciso dividir os pacientes das unidades de tratamento intensivo em dois grupos. Os que, no momento da divulgação dos dados, ainda estavam internados e os que não estavam mais sob cuidados hospitalares. No Reino Unido, 53% dos integrantes desse segundo grupo – o dos que saíram - não voltaram para casa.
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre, os índices são melhores. O dado colhido ontem apontava que, dos 259 casos de internação em UTI, 101 tiveram alta, 98 continuavam sob cuidados e 60 haviam morrido. Além da qualidade dos profissionais e da curva de aprendizado – o vírus chegou aqui depois –, o melhor desempenho se deve também ao fato de que, até agora, os pacientes não precisavam esperar muito para serem levados ao tratamento intensivo. No Reino Unido e em outros lugares, como Nova York e Milão, o colapso do sistema levou a longas esperas. Muitas vezes, quando finalmente um leito vagava, era tarde demais.
Por isso, o pensamento mágico que associa a construção ilimitada de UTIs ao fim do problema esbarra em um dado de realidade: mesmo quando não há lotação, a covid-19 mata, dentro das UTIs. E se não houver controle do contágio, com distanciamento social, higiene e etiqueta respiratória, vai matar mais, especialmente os mais idosos e os mais frágeis.
Fala-se em importar profissionais de saúde como se fossem uma commodity abundante no mercado mundial. Não são. Há falta deles em todos os lugares. É verdade que as UTIs são fundamentais e que, sem elas, os números da pandemia seriam agora ainda mais assustadores. Mas elas não bastam para evitar o pior. E mesmo que bastassem, não há mágica que consiga organizar recursos físicos, humanos e medicamentos em quantidades suficientes para enfrentar uma explosão de casos e a multiplicação da dor que tantas famílias estão sentindo. Só há um jeito de frear o vírus, enquanto esperamos a vacina: não se expor a ele.