Quando Dilma Rousseff foi afastada do poder, seus aliados iniciaram a construção da narrativa do golpe. A argumentação era de que uma “presidenta” eleita democraticamente não poderia ser tirada do cargo daquele jeito – mesmo que a lei dissesse o contrário. O impeachment é um processo essencialmente político, tanto que, na hora do voto, os parlamentares, transformados em julgadores, só precisam dizer “sim” ou “não”, sem qualquer necessidade de embasamento ou justificativa. Foi assim com Collor e com a sucessora de Lula.
Pode-se até discutir se derrubar Dilma daquele jeito fez mesmo bem ao Brasil, mas não foi ilegal, de acordo com o próprio STF. Agora, quando o alvo é Bolsonaro, crescem as vozes de oposição falando em impeachment. Os motivos são outros. Em vez da pedalada fiscal, entra em campo a intenção de interferir politicamente na Polícia Federal. Mas a dinâmica do eventual processo é a mesma: se o Congresso quiser, acontecerá. Todas as formalidades serão cumpridas. Só que agora, com papéis invertidos. Quem chamava de golpe, devagarinho, começa a chamar de outra coisa. E vice-versa.
A situação é tão absurda que Lula pediu calma aos companheiros e orientou-os a não abraçar a tese do impeachment sem a companhia de outros partidos de esquerda. A contradição, quando coletiva, pode até ser chamada de outra coisa. Mas continua sendo uma contradição. Até o dia em que veremos legiões de bolsonaristas gritando: “Não vai ter golpe!”.