A execução é prejudicada pela atuação do próprio protagonista, o humorista Sérgio Mallandro, por uma direção de fotografia opaca e por um sentimentalismo à beira do enjoativo, mas há uma ideia realmente interessante por trás de Mallandro: O Errado que Deu Certo (2024), filme em cartaz a partir desta quinta-feira (13) nos cinemas.
Trata-se de uma comédia de autoficção. Assinado por Ulisses Mattos e Sylvio Gonçalves, o roteiro dirigido por Marco Antonio de Carvalho traz Sérgio Mallandro — nome artístico do carioca Sérgio Neiva Cavalcanti, 68 anos — no papel dele mesmo, revivendo episódios marcantes ou curiosos de sua trajetória.
— Noventa por cento das histórias aconteceram mesmo — Mallandro disse em entrevista online conduzida pela jornalista e apresentadora Renata Boldrini. — Tenho muito orgulho da minha história, desde que iniciei, fazendo filmes como Menino do Rio (1981) e Garota Dourada (1984). Em O Errado que Deu Certo, a gente revê momentos difíceis da minha vida, como o período entre 1996 e 1999, quando quebrei e precisei vender tudo. Eu mostro no filme como me reinventei, me superei. Nada é impossível. Você não pode desistir. Vai na tua intuição, vai na tua essência.
No início do filme, acompanhamos Mallandro perdendo uma namorada, tendo a moto roubada, sendo eliminado de um reality show e correndo risco de ter a energia elétrica cortada, por falta de pagamento. Afundado em dívidas, ele aceita participar de um piloto para um novo programa de auditório — que inclui a participação de Zico, eterno craque do Flamengo e camisa 10 da Seleção Brasileira nas Copas de 1982 e 1986. Depois que uma pegadinha dá errado, o protagonista se vê entre a vida e a morte e precisa tomar uma decisão importante que pode afetar sua carreira para sempre.
Ao bater na porta do além (ou seria A Porta dos Desesperados?), Mallandro é recepcionado por um anjo encarnado por Xuxa, de quem foi par romântico em um grande sucesso do cinema brasileiro: Lua de Cristal (1990), com 4,1 milhões de ingressos vendidos. Ao retornar, ele não consegue mais pronunciar os bordões que ajudaram a construir sua fama, como "rá!, "ié-ié", "glu-glu" e "salsi-fufu".
A situação remete à da comédia O Mentiroso (1997), em que Jim Carrey interpreta um advogado condenado a falar apenas a verdade por um único dia. Mas também acena para a necessidade de atualização e de reinvenção por parte dos profissionais que lidam com o humor — o próprio Mallandro tem esqueletos no armário, como as chamadas Mallandrinhas (modelos seminuas de um programa de auditório) e pegadinhas consideradas homofóbicas. Vale lembrar o que a cartunista Laerte disse em entrevista concedida a GZH em junho de 2016: "O humorista precisa lidar hoje com uma situação em que setores da sociedade que recebiam discursos agressivos e ridicularizadores com muita passividade não estão mais passivos. Aquilo que o Renato Aragão falou, de que antigamente se falava de preto e de veado e não havia problema algum... Claro que havia! Tinha problema sim, mas naquela época as pessoas achavam que não podiam reagir. Hoje podem. Isso não é um problema. Isso é bom".
Mas Mallandro: O Errado que Deu Certo não chega a investir pesadamente na autocrítica. Pelo contrário: enaltece o valor da nostalgia, como quando personagens coadjuvantes ou a plateia de um show stand-up pedem que Mallandro diga seus célebres bordões.
— Há 43 anos, essa é uma fórmula que não falha _ comentou o astro, que, na entrevista, disse estar tremendamente feliz com o filme: — Fiz pré-estreias em Brasília, em BH (Belo Horizonte), no Rio, em São Paulo. A mulherada saía da sessão com o olho borrado. Eu também me emocionei. É um filmaço, parece filme americano.
Por falar em filme americano, na mesma entrevista o diretor Marco Antonio de Carvalho citou referências visuais (algumas delas insuspeitadas), como Clube da Luta (1999), O Grande Hotel Budapeste (2014) e Coringa (2019). Também contou que espalhou "easter eggs". Revelou três, um deles extremamente surpreendente em um filme sobre Sérgio Mallandro:
— A placa VIC2110 é por causa do meu filho, Vicente, que nasceu no dia 21 de outubro. No cartaz de "procurado" que aparece atrás do delegado, sou eu na foto. E o jogo de xadrez está com as peças nas mesmas posições da primeira cena de O Sétimo Selo (1957), do Bergman.