Ticiano Osório

Ticiano Osório

Jornalista formado pela UFRGS, trabalha desde 1995 no Grupo RBS. Atualmente, é editor em Zero Hora e escreve sobre cinema e seriados em GZH e no caderno ZH2.

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Opinião

O filme do Amazon Prime Video sobre um leão assassino

Idris Elba vive um dia de terror na África em "A Fera" (2022), que acabou de entrar em cartaz na plataforma

Ticiano Osório

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Universal Studios / Divulgação
Idris Elba interpreta o protagonista de "A Fera" (2022), filme dirigido por Baltasar Kormákur.

O diretor islandês Baltasar Kormákur trocou as paisagens geladas de seu país (cenário da série policial Trapped, criada por ele em 2015) e da montanha mais alta do mundo (na aventura Evereste, também de 2015) pela savana africana em A Fera (Beast, 2022), filme estrelado por Idris Elba e um leão digital que estreou nesta segunda-feira (24) no Amazon Prime Video. O choque térmico não fez muito bem.

Dada a previsibilidade do roteiro escrito por Ryan Engle (que trabalhou nos scripts de Sem Escalas e O Passageiro, ambos protagonizados por Liam Neeson) a partir de uma história de Jaime Primak Sullivan, A Fera se mostra um filme morno, provocando calor apenas em raros momentos dos seus 93 minutos de duração. Aliás, vira bicho manso na comparação com O Predador: A Caçada (2022), um título aparentado que entrou em cartaz na plataforma Star+ na mesma época do seu lançamento nos cinemas.

A Fera é uma espécie de cruza entre A Sombra e a Escuridão (1996), em que o diretor Stephen Hopkins reconstitui a história de dois leões que em 1898, em região próxima ao Rio Tsavo, no Quênia, mataram vários trabalhadores que estavam construindo uma ferrovia, e Predadores Assassinos (2019), terror de Alexander Aja no qual uma jovem e seu pai ferido precisam lidar com jacarés gigantes que invadiram a sua casa durante um furacão na Flórida. 

Universal Studios / Divulgação
Iyana Halley, Idris Elba e Leah Jeffries em "A Fera": o diretor de fotografia Philippe Rousselot trabalha na penumbra.

Um dos poucos destaques do filme é a direção de fotografia assinada por Philippe Rousselot, ganhador do Oscar por Nada É para Sempre (1992) e indicado por Esperança e Glória (1987) e Henry & June (1990). O veterano francês não tem medo do escuro: é no breu que A Fera começa, acompanhando um grupo de caçadores ilegais à espreita de um bando de leões. 

— Um deles escapou — diz um dos criminosos, logo após a matança. — E é dos grandes — sustenta, apontando para uma pegada. — Temos de capturá-lo, ou ele virá atrás de nós.

Bem: devo dizer que costumo torcer para os animais nos duelos entre o homem e a natureza, especialmente quando, em nome do progresso da civilização, o ser humano adota a barbárie contra o mundo selvagem (vide a caça às baleias retratada, por exemplo, em No Coração do Mar). Em A Fera, o roteiro até dá motivação para a vingança leonina!

Universal / Divulgação
O leão vingativo em cena do filme "A Fera".

Só que a coisa vira o fio, é claro — afinal, como em Jurassic World: Domínio (2022), este é um filme que "monsteriza" os animais — e no meio do caminho o leão depara com uma família inocente: o médico de Nova York Nate Samuels (papel vivido com o habitual carisma por Idris Elba) e suas filhas adolescentes, Meredith (Iyana Halley) e Norah (Leah Jeffries). O trio viajou para uma região próxima a Polokwane, na África do Sul, com o objetivo de visitar a cidade natal da mãe, que morrera de câncer. Ela e Nate estavam separados no momento de sua morte, então a jornada africana é como uma espécie de catarse e reconciliação — portanto, antes de o bicho literalmente pegar, haverá um pouco de roupa suja a ser lavada. 

Na savana, Nate e as filhas têm o guia perfeito para um safári: Martin (o sul-africano Sharlto Copley, protagonista de Distrito 9 e Chappie), amigo de infância da esposa do médico e um dos responsáveis pela proteção de um santuário animal. Martin tem uma conexão forte com os leões, a ponto de se deixar abraçar por dois deles. Por isso, ele não demora a sentir que há algo perverso na índole do felino computadorizado que passa a cercar e a atacar os quatro personagens de carne e osso.

O leão é bastante crível, a ponto de enxergarmos nele os traços psicológicos de um personagem. Mas por que, em um contexto de espécies cada vez mais ameaçadas de extinção e de crescimento da caça ilegal na África (como reflexo da crise provocada pela pandemia no turismo), gastar uma provável fortuna em efeitos visuais para gerar um animal condenado a despertar o pânico, e não o acolhimento? 

Em entrevista ao site da revista britânica Empire, o diretor Baltasar Kormákur tentou justificar:

— Muitas pessoas se desconectaram da natureza, e nós precisamos da natureza. Também estamos enfrentando essa crise de mudança climática, aquecimento global. Uma parte muito importante da história é que este leão, esta fera, foi programado por caçadores furtivos. Seu orgulho foi retirado. Não estamos culpando os leões por isso. O que o filme está tentando dizer é que não importa quem de nós trata mal a natureza, a natureza vai se vingar de todos nós. Se não cuidarmos das mudanças climáticas, um tsunami não vai pegar só quem não usou canudos de papel, sabia? Somos todos nós, certo? É o mesmo com os leões: se forem capturados e os bandos forem mortos e maltratados, eles atacarão. Eles vão criar um inimigo, que é o ser humano.

Bonito no discurso, mas na prática A Fera é só mais um filme em que o ser humano precisa lutar pela sobrevivência onde talvez não devesse ter colocado os pés.

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