Recém adicionado ao catálogo do MUBI, Black Medusa (2021) é um filme duplamente raro. Por um lado, embora a Netflix ofereça vários títulos da África do Sul e da Nigéria, as plataformas não são muito ricas em produções dos países árabes do continente africano — esta vem da Tunísia. Por outro, trata-se de um dos pouquíssimos longas-metragens exibidos no Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, a ganharem lançamento no Brasil. Quase nenhum chega a estrear nas salas de cinema, mas alguns pelo menos tornam-se disponíveis no streaming, como o argentino História do Oculto (na Netflix) e o japonês Dois Minutos Além do Infinito (na HBO Max).
Ao mesmo tempo, Black Medusa é um filme bastante atual, por contar uma história de revanche feminina, ao lado de títulos como Garota Sombria Caminha pela Noite (2014), A Vigilante (2018) e Bela Vingança (2020).
Rodado com uma direção de fotografia em preto e branco, com um tom meio fantasmagórico, é o primeiro longa-metragem ficcional da dupla de diretores e roteiristas Youssef Chebbi e ismaël (que assina assim mesmo, com a inicial minúscula). Interpretada por Nour Hajri, Nada é uma jovem que leva uma vida dupla. De dia, trabalha discretamente em um escritório, onde sequer fala — comunica-se através de um aplicativo de voz do seu celular. À noite, também em silêncio, seduz homens nos bares e nas boates de Túnis, a capital do país africano.
Tal qual Medusa, a personagem da mitologia grega estuprada por Poseidon, Nada parece ter sido vítima de violência sexual. Assim, passa a transformar homens em pedras — ou melhor, em lápides. Suas mortes são representadas sempre com uma alusão à penetração, e nesses momentos o rosto impassível de Nada transfigura-se em um misto de prazer e sofrimento. Sua missão é sua maldição.
A rotina da protagonista é um pouco sacudida pelo flerte da colega Noura (Rym Hayouni). "Pouco sacudida" porque Black Medusa nunca acelera seu ritmo narrativo. Chebbi e ismaël permitem-se longos planos das duas personagens passeando em um parque, até que elas somem de cena, mas a câmera continua mostrando o local. É como se estivessem não ficcionalizando, mas documentando um ciclo de abusos cometidos contra mulheres.