Estrelado por Olivia Wilde, A Vigilante (2018), cartaz do Domingo Maior da RBS TV neste fim de semana, à 0h20min de segunda-feira (31), é um filme diferente do que se costuma ver no subgênero da vingança.
O título (que no original é A Vigilante, em inglês, uma vigilante) e a sinopse podem sugerir uma produção que segue a cartilha básica, com atos de violência sendo sucedidos por punições que, ao fim e ao cabo, glorificam atos de violência. Mas a diretora e roteirista Sarah Daggar-Nickson, estreante em longas-metragens, opta por outro caminho.
Tampouco toma o rumo adotado depois por Bela Vingança (2020), um ataque sarcástico e com tempero pop da cultura do estupro que acabaria rendendo à cineasta britânica Emerald Fennell o Oscar de melhor roteiro original. Em A Vigilante, não há alívio cômico, e a secura impera — ainda que, parcimoniosamente, a percussiva trilha sonora composta por Danny Bensi e Saunder Jurriaans (a mesma dupla do terror A Autópsia e da série Ozark) imprima alta tensão.
Mas, a exemplo de Bela Vingança, os minutos iniciais de A Vigilante são suficientes para tanto apresentar o tema da trama como para mostrar que este é um filme diferente.
"Eu estou olhando pela janela e os caminhões não param de passar" é a frase que ouvimos antes mesmo de surgir a primeira imagem. Não vai demorar para entendermos seu significado. Trata-se de uma metáfora para situações de violência doméstica nas quais a vítima — aí incluídas mulheres e crianças — se sente impotente e desamparada. E trata-se também de um código de comunicação com Sadie, a protagonista vivida por Olivia Wilde, atriz nova-iorquina de 38 anos que ficou famosa como a doutora Thirteen do seriado médico House (2004-2012) e foi diretora e coadjuvante do suspense Não se Preocupe, Querida (2022), com Florence Pugh e Harry Styles.
Na sua cena de apresentação, a personagem está socando furiosamente um saco de areia. Instantes depois, vemos um estojo de maquiagem e uma peruca enquanto ela assiste a um vídeo sobre como fazer rugas falsas. No decorrer do filme, Olivia Wilde vai aparecer ora com cabelos longos e loiros, ora com cabelos cacheados e escuros. Não é só um disfarce: podemos interpretar como se Sadie encarnasse todas as mulheres que sofrem abuso dentro da própria casa.
Em seguida, a cineasta dá uma aula de concisão visual para falar de agressões e opressões: assistimos a uma mulher, com um braço em uma tipoia, tirar o paletó do marido recém chegado do trabalho. Sadie, com a peruca e as rugas falsas, já está acomodada em uma poltrona da sala. Quando o homem se senta ao sofá, ela, com uma mistura de frieza e raiva que remete ao célebre monólogo de Liam Neeson em Busca Implacável (2008), diz:
— Olá, senhor Schaund. Hoje, você vai fazer três coisas. Você vai entregar esta casa para sua esposa. Você vai transferir 75 por cento dos seus fundos para uma conta bancária no nome dela. E você vai embora, para sempre.
Ele se levanta, tenta retrucar, ela diz "Sei o que você faz com ela e o que vai fazer com as crianças se ela for embora" e põe o sujeito no chão ao aplicar um único golpe no peito. Um único golpe — e é tudo o que vemos. Se A Vigilante fosse um filme com Liam Neeson, certamente nos tornaria cúmplices da brutalidade. Aqui, a diretora Daggar-Nickson logo pula para a cena em que o Sr. Schaund, já ensanguentado, tecla sobre um laptop também manchado de sangue para fazer a transferência do dinheiro.
E se A Vigilante fosse um filme de vingança genérico, Sadie seria apenas a durona vista na casa da família Schaund. Não: esta é uma personagem mais nuançada. Mais crível. Sadie ainda sofre por causa do seu passado — uma canção pode servir como gatilho para ela desabar no choro. A vingança alheia tornou-se um meio (e talvez um vício) de lidar com seu trauma e suas cicatrizes.