A história de Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan (2023), que estreia nesta quinta-feira (20) nos cinemas, é um dos maiores clássicos da literatura de capa e espada, publicado em 1844 pelo escritor francês Alexandre Dumas (o pai). Como tal, passou a ser adaptada para filmes tão logo os irmãos Lumière deram à luz o cinematógrafo.
Consta que em 1903, apenas oito anos após a invenção que revolucionou a arte, surgiu a primeira versão, na França. Em 1911, nos Estados Unidos, o Edison Studios produziu uma série de filmes mudos, com Sydney Booth no papel principal. Dez anos depois, foi a vez de o astro hollywoodiano Douglas Fairbanks encarnar D'Artagnan. Nas décadas de 1930 e 1940, houve nove adaptações, incluindo uma ambientada no norte da África, com John Wayne no elenco e soldados da Legião Estrangeira no lugar dos mosqueteiros; uma cinessérie de faroeste rebatizada de The Three Mesquiteers; uma comédia com Don Ameche; uma coprodução entre Argentina e Uruguai; e um épico da MGM com Gene Kelly, Van Heflin, Lana Turner e Angela Lansbury.
No total, somando animações, musicais, séries de TV e derivados da obra original, há mais de 60 adaptações. Entre elas, estão uma tetralogia do desenho Tom & Jerry; os dois filmes dos anos 1970 estrelados por Michael York, Charlton Heston, Raquel Welch, Oliver Reed, Frank Finlay, Faye Dunaway e Richard Chamberlain; a aventura disneyana Os Três Mosqueteiros (1993), com Charlie Sheen, Kiefer Sutherland, Chris O'Donnell, Oliver Platt, Tim Curry e Rebecca De Mornay; A Vingança do Mosqueteiro (2001), em que as cenas de ação foram inspiradas no cinema de Hong Kong; e uma comédia musical coproduzida entre Rússia e Ucrânia em 2004 tendo no papel principal o futuro presidente ucraniano, Volodimir Zelensky. A última adaptação de vulto foi a de 2011, rodada inteiramente em 3D pelo diretor Paul W.S. Anderson, que comandou um elenco formado por Logan Lerman, Ray Stevenson, Luke Evans, Christoph Waltz, Mads Mikkelsen, Orlando Bloom, Milla Jovovich, Gabriella Wilde e Matthew Macfadyen.
Feita toda essa introdução, o que a enésima adaptação da obra de Dumas pai tem a oferecer? Faz alguma atualização à luz de temas contemporâneos? Toma liberdades artísticas ou promete fidelidade extrema? Investe mais nas cenas de ação, no contexto político, nos componentes românticos ou nos elementos cômicos?
Bem, a trama é a mesma no filme roteirizado por Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière e dirigido por Martin Bourboulon — ou melhor, nos filmes: a segunda parte, Os Três Mosqueteiros: Milady, tem estreia prevista para o final de dezembro. Em 1627, o jovem D'Artagnan, vindo da Gasconha, chega a Paris para tentar se tornar membro da elite da guarda real, os mosqueteiros. Após ser dado como morto no combate a agressores — entre eles, Milady, uma agente do cardeal Richelieu, o vilão da história —, o herói acaba se juntando aos inseparáveis Athos, Porthos e Aramis e se envolvendo em uma aventura para evitar a guerra e salvar a esposa do rei Luís XIII, Ana de Áustria, de um complô. Entre uma coisa e outra, D'Artagnan vai cortejar Constance, moça que presta serviços para a rainha.
Diretor de Relacionamento à Francesa (2015), Relacionamento à Francesa 2 (2016) e Eiffel (2021), Bourboulon se esforça, desde a primeira cena, em diferenciar a sua versão do clássico. Dispensa o tom solar e as cores que marcaram filmes anteriores, apostando em cenas escuras e sob chuva. O visual traduz a intenção de ressaltar os aspectos históricos de Os Três Mosqueteiros: o conflito entre católicos e protestantes e a rivalidade entre França e Inglaterra. Mas como o objetivo também é o de oferecer ao público uma aventura animada, as intrigas políticas alternam-se com cenas de ação nunca marcantes e quase sempre confusas (a ponto de não sabermos quem é quem) e algumas piadas.
Diante da previsibilidade da trama e da falta de momentos empolgantes, um passatempo para o espectador ao longo das (cansativas) duas horas de duração pode ser admirar a direção de arte. Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan foi praticamente todo filmado em locações, com pouco uso de estúdio, e tem figurinos vistosos na realeza e autênticos nos ambientes mais populares.
Mas o grande atrativo do filme é reunir um supertime do cinema francês — aliás, desde 1961 o país não produzia uma adaptação.
Quem interpreta D'Artagnan é François Civil, de Amor à Segunda Vista (2019) e O Próximo Passo (2022). Athos, Porthos e Aramis são vividos respectivamente por Vincent Cassel, Pio Marmaï e Romain Duris. Louis Garrel faz o rei Luís XIII, e Eva Green é Milady. O papel de Richelieu ficou com Eric Ruf, e a argelina Lyna Khoudri encarna Constance. Completam o elenco principal a luxemburguesa Vicky Krieps, como a rainha, e o inglês Jacob Fortune-Lloyd, como o duque de Buckingham. Pena que, por um problema técnico, na sessão de imprensa tivemos de assistir à versão dublada, sendo privados de ouvir os diálogos no charmoso idioma original.
Em resumo: se você nunca viu uma adaptação, vá ao cinema, mas prefira a cópia legendada e esteja ciente de que haverá uma segunda parte (ah, e que, ao estilo do Universo Cinematográfico Marvel, há uma cena pós-créditos). Se você já tem experiência no assunto, talvez valha a pena esperar a estreia no streaming, a não ser que seja tão fã da história, que já tenha adquirido cacife para comparar as semelhanças e as diferenças entre as enésimas versões.