O subtítulo de Perfume (2006), que foi adicionado recentemente ao menu da Netflix, sugere um policial ou um suspense. Mas ainda que à certa altura A História de um Assassino ganhe mesmo contornos de uma produção hollywoodiana de serial killer, o que se vê é um filme sobre o amor pela vida.
Fiel adaptação do romance homônimo escrito pelo alemão Patrick Süskind, sucesso de venda na década de 1980 (leia mais logo abaixo), Perfume tem direção do também alemão Tom Tykwer, dos ótimos Corra, Lola, Corra (1998), Paraíso (2002) e Trama Internacional (2009) e da série Babylon Berlin (2017-).
A história se passa na França do século 18, entre a imunda Paris (reconstituída em Barcelona) e a perfumada Grasse — a propósito, o design de produção de Uli Hanesch e a direção de fotografia de Frank Griebe foram premiados pela Academia Europeia. O protagonista, encarnado pelo então desconhecido ator inglês Ben Whishaw (visto no recente Entre Mulheres), é Jean-Baptiste Grenouille, sujeito que, quando bebê, foi deixado à morte pela própria mãe no meio do sujo e fétido mercado de peixe — a cena de seu nascimento impressiona, e quase se consegue sentir o cheiro do cenário.
Grenouille tem uma espécie de superpoder: o olfato apuradíssimo. Encantado pelo aroma de uma jovem ruiva, ele acaba, sem querer, matando-a. Dessa morte, nasce sua obsessão em recriar aquele perfume.
Daí que Grenouille vai trabalhar e se aperfeiçoar com o perfumista italiano Baldini (Dustin Hoffman, em divertida atuação). Daí que o personagem vai desenvolver escabrosos métodos para capturar o cheiro. Daí que ele vai ficar atormentado pela figura de uma outra garota de cabelos vermelhos, filha de um nobre de Grasse, Laura (Rachel Hurd-Wood).
Com um clímax inebriante — dá vontade de que o filme termine ali, para sair enlevado da "sessão de cinema" —, Perfume tem um protagonista que, debaixo de sua monstruosidade, é nada mais do que humano. Os crimes de Grenouille servem como metáfora para a busca por uma identidade, o desejo pelo belo, a angústia em não poder aprisionar o amor, o tempo e a vida — tão fugazes quanto o sentido do olfato.
O autor do livro "O Perfume"
Lançado em 1985, O Perfume, do alemão Patrick Süskind, bagunçou, com O Nome da Rosa, de Umberto Eco, as categorias estanques da época, segundo as quais livro com ampla vendagem era sinônimo da literatura rasteira e praticada por Sidney Sheldon, por exemplo.
Nascido em 1949, filho de um jornalista famoso na Europa por seus ensaios e estudos linguísticos, Süskind estudou História Medieval e passou os anos 1970 como roteirista de TV e autor de histórias sempre recusadas pelas editoras. Com a publicação e a montagem, em 1980, da peça O Contrabaixo, conheceu sucesso instantâneo.
Nada que se possa comparar ao êxito de O Perfume, que foi traduzido para pelo menos 46 idiomas e vendeu mais de 15 milhões de exemplares — ficou nove anos na lista de mais vendidos da revista alemã Der Spiegel.
Süskind teve ampla vendagem de sua segunda novela, A Pomba (1987). Em 1992, lançou A História do Senhor Sommer, ilustrada pelo artista francês Sempé, em 1996, um livro de contos, e em 2006, um volume de ensaios. Foi sua última publicação. O escritor retirou-se do meio, não concede entrevistas nem se deixa fotografar.