Indicada ao Globo de Ouro, a segunda temporada de The White Lotus, na HBO Max, conseguiu manter o altíssimo nível da primeira, que em setembro conquistou 10 prêmios Emmy, incluindo melhor minissérie ou antologia, direção, roteiro (ambos para Mike White), ator coadjuvante (Murray Bartlett), atriz coadjuvante (Jennifer Coolidge), trilha sonora e música-tema (ambas compostas por Cristobal Tapia de Veer). Na verdade, os sete novos episódios dão um passo adiante, evitando a mera repetição de uma "fórmula" — e criando a expectativa de que seu criador volte a surpreender no terceiro ano da, agora, série, já anunciado para 2023.
Na primeira temporada, ambientada no Havaí, Mike White — roteirista dos filmes Por um Sentido na Vida (2002) e Escola de Rock (2003) e da série Enlightened (2011-2013) — conjugou de modo brilhante comédia cáustica, dramas empáticos, mistério policial e crítica social. O alvo era o privilégio branco, a elite que jamais cede seu lugar ou estende a mão sem querer nada em troca, aqueles que têm os meios para fazer o mundo mudar, mas preferem a estagnação, a gente que se safa simplesmente por causa do sobrenome ou da carteira.
— Ninguém cede seus privilégios. Isso seria um absurdo. Vai contra a natureza humana. Nós todos só estamos tentando ganhar o jogo da vida — diz um dos personagens, Mark Mossbacher (Steve Zahn).
O cenário da segunda temporada é outra ilha, a da Sicília, na Itália, onde também há um resort de luxo da fictícia rede The White Lotus. Lá, as ligações com a realeza e a com a máfia vão suscitar reflexões sobre a decadência com elegância dos palazzos mantidos por famílias que já não têm mais fortunas e sobre a sedução da trilogia O Poderoso Chefão (1972-1990) junto ao imaginário masculino — o cinema também será referenciado em uma sequência na cidadezinha de Noto que homenageia A Aventura (1960): como ocorre com a personagem de Monica Vitti no filme do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, uma mulher será observada, acompanhada, rodeada e até acossada por muitos homens que surgem em cena gradualmente.
O hipnotizante tema de abertura é o mesmo — e permanece alternando-se entre o cômico, o sinistro e o sensual, sintetizando a variação de tom da própria série —, mas com um arranjo distinto. Há uma introdução beatífica de harpa, acordes que remetem a uma ópera trágica, um agudíssimo coro yodel e, por fim, uma batida contagiante de música eletrônica. Não à toa, a música composta por Tapia de Veer vem sendo tocada em boates e shows da Europa, segundo reportagem do jornal britânico The Guardian.
Como na temporada inicial, tudo começa com um cadáver não identificado — eis um dos charmes da porção policial de The White Lotus: o espectador é instigado a descobrir não apenas quem matou, mas também quem morreu (e desta vez parece haver mais apostas, mais candidatos a vítima). Se na primeira história havia um caixão sendo transportado de avião, agora surge um corpo boiando na praia.
Aí, como igualmente ocorre na temporada original, a trama volta uma semana no tempo para acompanhar a chegada de novos hóspedes ao resort da Sicília. A composição do grande elenco — de um lado, ricos esnobes, mimados e egoístas; do outro, trabalhadores mais humildes, mas não por isso menos espertos — sugere uma reprodução da dinâmica de sátira social da primeira temporada. Só que, desta vez, The White Lotus está menos interessada nas diferenças econômicas, foca nas relações de poder entre casais e amantes, entre homens e mulheres, movidas por desejo sexual, ciúme, competição, machismo, masculinidade frágil, traição, mentira e autoengano. E a série também não investe tanto na comicidade, tem um ar mais melancólico que torna os personagens mais palpáveis. Falando nisso, os corpos bonitos iluminados pelo sol siciliano são contrastados por tomadas soturnas do mar bravio: esta é uma série que te excita para logo em seguida te deixar deprê.
Acontece o mesmo com os personagens, vide a trajetória da rígida gerente do hotel, Valentina (Sabrina Impacciatore, italiana que trabalhou em Concorrência Desleal, de Ettore Scola, e A Paixão de Cristo, de Mel Gibson). Além de encarar as exigências e os caprichos dos hóspedes, ela precisa lidar com suas próprias — e inauditas — vontades e com duas garotas que vivem frequentando indevidamente o White Lotus (e que são interpretadas por atrizes que certamente terão portas abertas em Hollywood): a prostituta Lucia (Simona Tabasco) e a aspirante a cantora Mia (Beatrice Grannò).
O elemento de ligação entre a primeira e a segunda temporadas é a milionária carente Tanya (Jennifer Coolidge, que disputa o Globo de Ouro). A personagem é tão focada no prazer e no luxo e tão sem-noção sobre a vida real, que não desce do salto nem nos momentos de perigo. Ela desembarca em Taormina, na Sicília, acompanhada do agora marido Greg (Jon Gries) e da assistente, Portia (Haley Lu Richardson, do filme A Cinco Passos de Você), que será obrigada a ficar longe dos olhos do sujeito.
Nessa vida em segredo, Portia conhecerá o certinho Albie (Adam DiMarco, da série A Ordem), que está em viagem com seu pai, Dominic (Michael Imperioli, o Christopher Moltisanti do seriado Família Soprano), que levou um "basta" da esposa depois de mais uma traição, e seu avô, Bert di Grasso (F. Murray Abraham, ganhador do Oscar de melhor ator coadjuvante por Amadeus e indicado ao Globo de Ouro por seu papel em The White Lotus), que veio à procura de parentes.
Um outro núcleo é formado pelos amigos de universidade e hoje empresários e/ou investidores Cameron (Theo James, da franquia Divergente e da série A Mulher do Viajante no Tempo) e Ethan (Will Sharpe, diretor da minissérie Landscapers e do filme A Vida Eletrizante de Louis Wain) e suas respectivas esposas: Daphne (Meghann Fahy, do seriado The Bold Type) e Harper (Aubrey Plaza, da série Legião e concorrente ao Globo de Ouro). Os dois casais vão colecionar atritos, mas também surgirão faíscas de atração sexual.
Esse elenco de personagens permite a Mike White ampliar as alfinetadas sobre masculinidade frágil desferidas na primeira temporada, na qual o recém-casado Shane era um filhinho da mamãe, e Mark vivia à sombra da esposa, uma executiva bem-sucedida — e ele também passa por uma crise existencial ao descobrir a verdadeira causa da morte do pai (aids) e que seu maior exemplo de homem havia tido relações homossexuais. Em The White Lotus 2, Bert entende o assédio sexual como elogio, Dominic mostra um suposto arrependimento por ser viciado em sexo e infiel, e Albie dá a real ao avô e ao pai:
— Os homens amam O Poderoso Chefão porque se sentem castrados pela sociedade contemporânea. É uma fantasia sobre uma época em que eles podiam sair e resolver todos os seus problemas com violência, dormir com todas as mulheres e depois voltar para casa, onde a esposa não faz perguntas e serve massa para eles.
Já Cameron e Ethan exemplificam a competição sobre virilidade, a disputa por território e a ostentação financeira — mas também, em uma ironia do roteirista, discutem sobre quem tem o casamento mais feliz, um papo costumeiramente atribuído às mulheres.
— Eu sinto pena dos homens — comenta Daphne em um episódio. — Eles acham que estão fazendo algo realmente importante, mas, na verdade, estão apenas vagando sozinhos.
Cabem a Cameron e Daphne duas das cenas mais marcantes de The White Lotus 2. A primeira é sutil. Da cama no quarto do hotel, a esposa chama por ele, que está no banheiro, passando fio dental, para falar por videochamada com os filhos. Somente o espectador vê Cameron engolindo seu desgosto e colocando a máscara de pai sorridente e marido amoroso.
A segunda cena é um show à parte da atriz Meghann Fahy e do roteirista Mike White. Ao receber uma informação desabonadora, nos primeiros 30 segundos (mais ou menos) de reação silenciosa ela vai trocando o rosto radiante e despreocupado de sua personagem por uma expressão atordoada e, talvez, genuinamente magoada. Mas logo Daphne se recupera — é como se nesses breves instantes, disse alguém no Twitter, ela retratasse os cinco estágios do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Em seguida, ela elabora um monólogo antológico sobre autoengano, lucidez e resiliência:
— Você nunca sabe realmente o que se passa na cabeça das pessoas ou o que elas fazem, certo? Você passa cada segundo com alguém, e ainda tem essa parte que é um mistério, sabe? Você não precisa saber tudo para amar alguém. Um pouco de mistério. É meio sexy. Eu acho que você só... Você faz o que for preciso para não se sentir vítima da vida, sabe?