Às vésperas do terceiro ano sob o signo do coronavírus, o que muita gente quer para 2022 é paz interior e, quando possível, dar algumas risadas. Pode até rolar um pouco de choro, desde que provocado por emoções positivas.
Para a gente fazer a travessia do Ano-Novo com o coração bem levinho, fiz uma seleção concentrada em comédias, musicais e animações recentes e em cartaz no streaming. Mas não podia deixar de destacar um clássico inesquecível. Nem de recomendar um documentário e um drama que também cumprem o papel confortador. Clique nos links para ler mais.
Cabras da Peste (2021)
Se seu plano para a virada do ano é só esfriar a cabeça, sem nem se preocupar com legendas, os Cabras da Peste estão na área. Trata-se de uma paródia muito brasileira de uma tradição hollywoodiana, a das duplas policiais improváveis, formadas pelo acaso ou pelo azar e destinadas ao conflito ou à trapalhada. Pense em franquias como Um Tira da Pesada, Máquina Mortífera ou A Hora do Rush. Tem de todas um tanto nesta comédia do diretor Vitor Brandt que reúne dois personagens de temperamentos opostos: o cearense Bruceuílis Nonato (Edmilson Filho), afoito pela ação, e o paulistano Trindade (Matheus Nachtergaele), apegado ao trabalho em escritório. O sequestro da cabra Celestina é a deixa para o primeiro viajar da minúscula e fictícia Guaramobim para São Paulo. (Netflix)
Duas Tias Loucas de Férias (2021)
Indicadas ao Oscar de melhor roteiro original por Missão Madrinha de Casamento (2011), Kristen Wiig e Annie Mumolo reúnem-se novamente no script de Barb and Star Go to Vista Del Mar. Sob direção de Josh Greenbaum e sem medo de brincarem com o sexo ou o absurdo, Kristen e Annie interpretam duas amigas que deixam sua cidade no Meio-Oeste pela primeira vez e se envolvem em uma trama de crime e romance na Flórida. Jamie Dornan, o Christian Grey de 50 Tons de Cinza e o assassino serial do ótimo seriado The Fall, mostra seu desprendimento para o humor. (HBO Max)
Em um Bairro de Nova York (2021)
Versão de um musical da Broadway concebido por Lin-Manuel Miranda (o mesmo de Hamilton) e Quiara Alegría Hudes, o filme de Jon M. Chu é uma vibrante celebração da cultura dos latino-americanos em Nova York. É muito gostoso passar quase duas horas e meia na companhia de personagens como o dominicano Usnavi (Anthony Ramos, indicado ao Globo de Ouro de melhor ator), a manicure Vanessa e a Abuela Claudia.
Ainda que também aborde agruras e sombras (preconceito, subemprego, gentrificação, assimilação cultural, processo de legalização etc), trata-se de uma injeção de alegria e de cores. Usando o rap, o hip-hop, a salsa e o merengue, traz coreografias empolgantes e fascinantes, que nos surpreendem e nos arrebatam ao aproveitar elementos do cenário - a tampa de um bueiro na rua, as unhas das clientes em um salão de beleza - ou investir nas técnicas de ilusão cinematográfica e nos efeitos visuais (vide a cena da piscina pública, que espalha dezenas e dezenas de dançarinos, ou o momento em que um casal começa a dançar sobre a parede e as janelas de um edifício). (HBO Max)
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (2021)
Se você quer reunir as crianças para a sessão de cinema em casa, a dica é assistir a este desenho animado dirigido por Michael Rianda e coassinado por Jeff Rowe. Na trama, os Mitchells (que lembram muito, inclusive fisicamente, os heróis de Os Incríveis, mas sem superpoderes) precisam salvar o mundo, que virou refém de um celular com inteligência artificial. Tem aventura, drama, crítica social e, claro, muito humor, tanto para os baixinhos quanto para os grandinhos (graças a uma série de referências, como as citações musicais de Kill Bill, de Quentin Tarantino). (Netflix)
Luca (2021)
O 24º filme de animação da Pixar mantém o alto nível das produções do estúdio que faz parte da Disney, mas muda bastante o tom. Aqui, são deixados de lado temas como a morte, o luto, o esquecimento e a obsolescência. O desenho animado dirigido por Enrico Casarosa é uma aventura sobre aquele momento entre a infância e a adolescência que estamos tentando descobrir que o mundo é maior do que a gente conhece. A história se passa na Itália, durante um verão, e tem como protagonista um monstro marinho, o Luca, que, a convite de um amigo, o Alberto, resolve curtir a vida entre os humanos. É tudo muito divertido, mas eles precisam cuidar para não revelarem sua real identidade, e isso permite que Luca, o filme, seja visto como uma alegoria sobre a condição de grupos que costumam ser excluídos, oprimidos, desprezados, humilhados ou até agredidos pela sociedade, como minorias étnicas e religiosas, imigrantes, refugiados e a população LGBTQIA+. (Disney+)
As Mortes de Dick Johnson (2020)
Pode um documentário que, pelo título, aparenta ser mórbido? A diretora estadunidense Kirsten Johnson resolveu homenagear o pai em vida, antes que a morte levasse seu corpo ou, no mínimo, sua memória ficasse comprometida. O viúvo Dick, aos 80 e tantos anos, começa a apresentar os sintomas do Alzheimer, mesma doença que acometeu sua amada esposa. É hora de se aposentar do trabalho como psiquiatra, de parar de dirigir, de se mudar da casa grande em Seattle para morar com a filha e os netos num pequeno apartamento de Nova York. Lá, a celebração do pai também se mostra uma celebração do cinema, capaz de eternizar as coisas e as pessoas, e capaz também de matar sem matar. Você entenderá ao assistir a este filme feito com muito amor e humor. (Netflix)
Quanto Mais Quente Melhor (1959)
Ninguém é perfeito, como diz o personagem de Joe E. Brown no célebre final desta comédia de erros, mas um filme pode ser. É o caso de Some Like It Hot — o clássico inesquecível da lista —, no qual Tony Curtis e Jack Lemmon são dois músicos de Chicago que, para fugir de mafiosos durante a Lei Seca, se disfarçam de mulheres e se juntam a uma banda de jazz feminino em turnê para a Flórida. No trem, vão conhecer Sugar Kane Kowalczyk, a sensual cantora encarnada por Marilyn Monroe em um de seus últimos trabalhos antes de morrer, em 1962, com apenas 36 anos. O genial Billy Wilder disputou os Oscar de melhor diretor e roteiro. (Telecine e canal MGM do Amazon Prime Video)
No Ritmo do Coração (2020)
CODA, o título original do filme da diretora Siân Heder, é a sigla de Child of Deaf Adults, filho de pais surdos. Trata-se da versão estadunidense de uma comédia dramática francesa, A Família Bélier (2014). A premissa é a mesma, trocando uma fazenda por uma cidade pesqueira: única ouvinte e falante entre os Rossi, a adolescente Ruby (papel de Emilia Jones) serve de intérprete nos negócios e em tarefas cotidianas. Atraída por um colega de escola que canta, Miles (Ferdia Walsh-Peelo) resolve se inscrever nas aulas do coral comandado pelo professor Bernardo Villalobos (o mexicano Eugenio Derbez, equilibrando humor, rabugice e ternura). A situação acabará criando um dilema doloroso para Ruby, abrindo portas para temas como amadurecimento, empatia e pertencimento.
Refilmagens de obras tão recentes parecem só existir por causa da resistência dos espectadores estadunidenses às legendas, mas neste caso vale dizer que há um significativo avanço em termos de representatividade. No original francês, os personagens com deficiência auditiva eram interpretados por atores que escutam. Aqui, são surdos Troy Kotsur, que encarna o pai de Ruby, Frank Rossi, Marlee Matlin, vencedora do Oscar de melhor atriz por Filhos do Silêncio (1986), que faz a mãe, Jackie, e Daniel Durant, que é Leo, o irmão mais velho. No Ritmo do Coração ganhou quatro prêmios no Festival de Sundance, dois no Gotham Awards, entrou na lista dos 10 melhores filmes de 2021 pelo American Film Institute e concorre em duas categorias do Globo de Ouro, em 9 de janeiro: melhor drama e ator coadjuvante (Troy Kotsur). (Apple TV+ e, a partir de 7 de janeiro, no Amazon Prime Video)
Toc Toc (2017)
Quem lê só a sinopse desta comédia espanhola dirigida por Vicente Villanueva e baseada em um espetáculo teatral francês pode achar que é politicamente incorreta demais: seis pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) marcam consulta no mesmo horário com um psiquiatra, mas ele se atrasa muito, e o grupo precisa esperar. Entre os personagens, estão Federico (o ótimo Oscar Martínez), que tem síndrome de Tourette e solta palavrões e gestos obscenos involuntariamente, Blanca (Alexandra Jiménez), obcecada por limpeza, Otto (Adrián Lastra), maníaco por linhas e simetrias, e Ana María (Rossy de Palma), que, sempre que sai de casa, volta para verificar se fechou mesmo a torneira, o gás, a porta... No consultório, eles descobrem as peculiaridades de cada um, provocando risadas no espectador — que, mais adiante, perceberá as sutilezas do filme, como uma bela mensagem sobre empatia e cooperação. (Netflix)
Yesterday (2019)
Em tempos do monumental documentário Get Back, que tal assistir a esta calorosa declaração de amor aos Beatles? No filme dirigido por Danny Boyle e escrito por Richard Curtis (o roteirista de Quatro Casamentos e um Funeral e o realizador de Questão de Tempo), Himesh Patel encarna um fracassado cantor e compositor que, após um estranho blecaute, se torna a única pessoa no mundo a lembrar da existência de John, Paul, George e Ringo. A situação rende momentos mágicos — como a cena em que Jack, o personagem, interpreta Yesterday para sua admiradora platônica Ellie (Lily James) e um casal de amigos: é como se fosse a primeira vez que nós, o público, fôssemos expostos à beleza da canção — e divertidos: como não rir diante da tentativa do sujeito de mostrar aos pais Let It Be? (Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)