A possibilidade constante de um corpo celeste colidir com a Terra e solapar a existência humana já rendeu preocupação, piadas e inspiração. O filme Não Olhe para Cima, lançado pela Netflix às vésperas do Natal, junta essas três situações para, em menos de uma semana disponível na plataforma, atingir uma repercussão quase astronômica. Dividindo a opinião da crítica e do público nas redes sociais, o longa-metragem do diretor Adam McKay (A Grande Aposta, Vice e Tudo por um Furo) é tema quase onipresente nas discussões, principalmente online.
A obra aposta em humor e suspense para contar a história de dois cientistas que descobrem um corpo espacial sólido que está vindo em direção ao planeta e tentam alertar autoridades e imprensa para que providências sejam tomadas. Porém, são envolvidos em um jogo político de interesses em que a ciência não é lavada à serio. E esse é um dos pontos que têm suscitado debates entre os que percebem na produção hollywoodiana uma crítica social aos tempos atuais e àqueles que consideram rasos os argumentos do filme.
"É o filme certo na hora certa. Uma obra necessária. Don't look up (título original) descreve com exatidão o mundo bizarro que estamos vivendo em 2021, de pandemia e negacionismo, ódio profundo ao conhecimento e exaltação frenética à ignorância", escreveu Leo Aversa, colunista do jornal O Globo, em 27 de dezembro.
Já Roberto Sadovski, colunista do UOL, critica a falta de clareza e de inspiração da produção em sua análise para o portal.
"Nada melhor do que segurar um espelho escancarando o papel ridículo que alguns políticos fazem ante uma crise, e a sátira é a melhor forma de acentuar o absurdo do mundo real. Mas não foi dessa vez. Depois dos ótimos A Grande Aposta e Vice, o diretor Adam McKay erra a mão com a mistura e entrega um filme confuso, sem foco, pouco engraçado e, pior de tudo, que já nasce velho. É uma sentença de morte para qualquer comédia!"
Além do enredo, outro elemento que inflama debates é o elenco estelar. Em cena, estão Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Jonah Hill, Cate Blanchett, Timothée Chalamet e Rob Morgan, entre outros atores famosos.
"Um elenco cheio de medalhões não é garantia de bons momentos em frente à tela. Nem a bombástica direção de McKay de sacudi-los pelos ombros", pontuou a crítica Simran Hans para o semanário britânico The Observer, ligado ao jornal The Guardian. Sobre a edição, ela alfineta: "As aparências presunçosas estampadas na tela e as inserções hiperativas de documentários da natureza não fazem nada para incentivar ações na vida real."
A história
Apesar das comparações, inclusive com o contexto sociopolítico e cultural brasileiro, Não Olhe para Cima foi escrito antes da pandemia. A ideia era tecer críticas à falta de atenção planetária com problemas climáticos, como o aquecimento global.
Para ilustrar esse objetivo é que entra a metáfora do meteoro. São os astrônomos Randall Mindy (DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer) que fazem a descoberta surpreendente de que há um cometa orbitando o sistema solar e vindo em direção à Terra. Com o auxílio do doutor Oglethorpe (Rob Morgan), a dupla de pesquisadores encampa uma peregrinação na mídia e acaba no escritório da presidente Orlean (Meryl Streep) e de seu filho, Jason (Jonah Hill). Na conta dos cientistas autores da descoberta iminentemente fatal, restam seis meses para o choque, o que demandaria gerenciar as notícias o tempo todo e ganhar a atenção do público obcecado pelas redes sociais.
Porém, personagens como a presidente Orlean e seu filho Jason desacreditam o aviso, gerando comparações com quem nega dados científicos sobre, por exemplo, a pandemia de coronavírus e a eficácia das vacinas para conter a covid-19.
"'Não Olhe para Cima' é basicamente o mantra do negacionismo que diz 'não queremos que vocês vejam a verdade, queremos que continuem cegos e fazendo o que mandamos', assinalou uma usuária no Twitter.
Os memes relacionados à situação atual do Brasil não faltaram. Um deles mostra protagonistas do filme ao lado de figuras relevantes no debate público nacional sobre a crise sanitária, em tom comparativo. É o caso do presidente Jair Bolsonaro, seu filho Carlos Bolsonaro e os divulgadores científicos Átila Lamarino e Natália Pasternak.
Assistir a Não Olhe para Cima é uma opção. Transitar por qualquer mídia social ou site de notícias sem topar com repercussões sobre o filme nestes últimos dias é praticamente inevitável. A produção reforça a polarização que vem tomando conta das redes sociais, com críticas e interpretações diversas de um lado e exaltações à forma como buscou retratar o negacionismo e o tratamento político de diversas questões sociais de outro.