Cartaz da Tela Quente nesta segunda-feira (22), Educação (Education, 2020) fecha uma espécie de trilogia sobre racismo e empoderamento exibida pela RBS TV à luz do Dia da Consciência Negra. Depois de o Supercine, no sábado (20), mostrar Doutor Gama (2021), cinebiografia do ex-escravo analfabeto que se tornou escritor e advogado abolicionista (Luís Gama, 1830-1882), e de a Temperatura Máxima, no domingo (21), exibir Pantera Negra (2018), aventura de super-herói da Marvel que valoriza a cultura africana, agora é a vez de um filme sobre as comunidades caribenhas na Inglaterra.
Educação é um dos cinco títulos que integram a antologia Small Axe (disponível no Globoplay), realizada pelo cineasta britânico Steve McQueen, ganhador do Oscar de melhor filme por 12 Anos de Escravidão (2013) e diretor dos intensos Fome (2008) e Shame (2011). Todos são ambientados na Inglaterra, entre 1969 e 1983, e protagonizados por imigrantes negros ou descendentes daqueles que vieram de países como Jamaica, Trinidad e Tobago e Barbados para lidarem com situações de racismo e opressão. Mas no meio da desigualdade, da injustiça e da violência também há espaço para a comunhão, a beleza e a alegria.
É o que vemos em Lovers Rock, o segundo episódio — vale dizer que as histórias são independentes, mas, de certa forma, complementares — e a única narrativa mais ficcional. O filme acompanha um grupo de jovens desde os preparativos para uma festa caseira em um bairro de Londres até a manhã seguinte. Entre eles, estão Martha (Amarah-Jae St. Aubyn), criada em uma família religiosa, e Franklyn (Micheal Ward), empregado de uma mecânica.
Tensões raciais perpassam o baile, e conflitos internos também surgem na casa, onde a música — predominantemente o lovers rock, subgênero do reggae para dançar coladinho — tem papel fundamental. Sobretudo Silly Games, sucesso de 1979 na voz de Janet Kay, que ocupa 10 minutos da hora e pouco de duração.
Tocada no meio da noite pelo DJ, a canção é interrompida para ser continuada em uma arrepiante e contagiante versão à capella por todos os personagens. Torna-se um hino, "um ritual espontâneo de conexão e resistência em um mundo hostil", como definiu Dorian Lynskey no jornal Los Angeles Times. No meio da alegre muvuca, está o próprio compositor de Silly Games, Dennis Bovell, 68 anos, que confessou ter se emocionado com a espiritualidade da cena e se surpreendido com a transmutação dos versos românticos em versos de protesto: "Eu disse: 'Steve, como você viu isso? As autoridades jogando jogos tolos com as pessoas'".
O primeiro filme de Small Axe, Os Nove de Mangrove, o único com duas horas de duração — os outros giram em torno de 60 ou 80 minutos —, reconstitui o caso de um restaurante localizado no bairro londrino de Notting Hill e comandando por um imigrante de Trinidad e Tobago, Frank Crichlow (interpretado por Shaun Parkes). Entre janeiro de 1969 e julho de 1970, o Mangrove foi alvo de 12 batidas policiais, que culminaram, em agosto, em uma marcha de protesto e na prisão de nove manifestantes.
O terceiro, Vermelho, Branco e Azul, narra a trajetória de Leroy Logan, que, no início da década de 1980, resolveu ingressar na polícia para tentar mudar, por dentro, as atitudes racistas — fazendo eco ao provérbio que dá nome à antologia, "Se você é uma árvore grande, nós somos o machado pequeno", popularizado por Bob Marley em sua canção Small Axe, de 1973. A decisão de Leroy provoca um conflito familiar, pois seu pai, Ken, brutalmente agredido por policiais, agora vê o filho como um traidor. E entre seus colegas de farda, quase todos brancos, a vida tampouco será fácil.
Além das ótimas atuações de John Boyega (o Finn da saga Star Wars) como Leroy e de Steve Toussaint (que estará em House of the Dragon, série derivada de Game of Thrones) como Ken, Vermelho, Branco e Azul traz diálogos memoráveis. Como aquele em que o pai, cedendo um pouco, diz ao filho que "o mundo não para. É uma roda que avança lentamente".
— Às vezes — retruca um desencantado Leroy — acho que a terra tem de ser queimada. E replantada. Para alguma coisa boa nascer. Alguma coisa boa.
Protagonizado pelo estreante Sheyi Cole, o quarto filme, Alex Wheatle, conta a história de um premiado romancista que passou a infância em um orfanato predominantemente branco e que em 1981, aos 18 anos, foi preso após o levante de Brixton, em Londres. A partir do relacionamento que se estabelece, na cadeia, entre Alex e o rastafári Simeon (Robbie Gee), o diretor Steve McQueen enfatiza a importância da cultura e do estudo para o empoderamento negro.
Educação, o último filme, em exibição na RBS TV a partir das 23h15min desta segunda (22), é centrado na família de Kingsley Smith (interpretado por Kenyah Sandy), um menino de 12 anos. Com dificuldades para a leitura, ele acaba forçado a trocar de colégio: vai para uma escola destinada a alunos com necessidades especiais, palco de negligência pelo poder público e de uma terrível política de segregação que minava o futuro de crianças negras.
Os personagens foram inventados, mas a trama é baseada em fatos documentados em um livro publicado em 1971 pelo granadino Bernard Coard, How the West Indian Child is Made Educationally Subnormal in the British School System: The Scandal of the Black Child in Schools in Britain (Como a Criança das Índias Ocidentais se Torna Educacionalmente Subnormal no Sistema Escolar Britânico: O Escândalo da Criança Negra nas Escolas da Grã-Bretanha). Essa política desvia Kingsley do seu sonho de viajar pelo cosmo. Mas uma ativista, depois de conhecer o guri, vai se empenhar para levar esclarecimento à família dele — sobretudo ao pai, que parece resignado com a falta de horizontes. E Steve McQueen enfatiza, em Educação, que o futuro parte sempre do passado: é preciso conhecer a ancestralidade, descobrir a narrativa dos povos africanos e de seus descendentes sufocada pelos séculos de colonização e escravidão. A mesa de jantar de uma coadjuvante, a senhora Tabitha Bartholomew (Jo Martin), transforma-se em uma animada sala de aula e um espaço para reflexão e emoção.