Em cartaz a partir desta segunda-feira (22) na plataforma de streaming Belas Artes à La Carte, a comédia de ação Nazistas Africanos do Kung Fu (African Kung Fu Nazis, 2019) retoma, de partida, uma célebre pergunta: Hitler pode ser engraçado? É permitido rir do homem que condenou ao sofrimento e à morte milhões de judeus? Humor e Holocausto combinam?
Com mais gravidade ou mais leveza, essas questões cercaram títulos como O Grande Ditador (1940), que o britânico Charles Chaplin dirigiu e estrelou antes mesmo de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial e que disputou cinco Oscar, incluindo melhor filme e ator; Primavera para Hitler (1968), do estadunidense Mel Brooks, premiado com a estatueta de roteiro original; A Vida É Bela (1997), do italiano Roberto Benigni, que ganhou os troféus de longa internacional, ator (o próprio Benigni) e trilha sonora; e Jojo Rabbit (2019), do neozelandês Taika Waititi, vencedor na categoria de roteiro adaptado com a história do menino de 10 anos que tem o genocida nazista como seu amigo imaginário. Poderíamos até colocar nessa lista o incontrolável e interminável meme surgido da cena de outro concorrente ao Oscar de filme estrangeiro, A Queda! (2004), do alemão Oliver Hirschbiegel, em que Hitler, percebendo sua derrota, explode de raiva contra seus comandados.
Dirigido pelo alemão radicado em Tóquio Sebastian Stein e pelo ganês Samuel K. Nkansah, Nazistas Africanos do Kung Fu não tem a menor pretensão de disputar prêmios. Nem tem pudores para ridicularizar Adolf Hitler e também o general Hideki Tojo, comandante do Japão entre outubro de 1941 e julho de 1944.
Na ficção realizada em Gana, ao custo irrisório de US$ 20 mil, Hitler não se matou no bunker e Tojo não foi executado. Interpretados respectivamente pelo próprio Stein e por Yoshita Akimoto, ambos fugiram para o país africano, onde recolocam em marcha seus planos de dominação do mundo. Lá, em uma reversão da famigerada blackface instituída nos primórdios do entretenimento nos Estados Unidos, soldados ganeses pintam o rosto de branco. Foram seduzidos pela promessa de "conseguir garotas". A propósito, há pelo menos uma piada genial, o trocadilho em inglês com o nome da companheira de longa data de Hitler: Eva Braun vira Eva Brown, "a bronzeada".
— Eu mostrei o filme à minha tia judia, e ela adorou — contou Stein, que assina o roteiro, em uma entrevista. — Cresci na Alemanha, e sempre disseram que não se devia fazer piada com Hitler e os nazistas. E isso se tornou um tabu. Mas se você olha para outros países, eles zombam de Hitler. Se você transforma algo num tabu, acaba dando-lhe certo poder. Por outro lado, se tira um sarro, o que há de misterioso acaba desaparecendo. Especialmente se você coloca em cena homens africanos com suásticas e o rosto pintado de branco, isso tudo vai tirar o poder desses símbolos.
A sátira política, porém, é muito pouco desenvolvida. O roteiro se concentra em levar o filme a um torneio mortal de artes marciais promovido por Hitler e Tojo, uma homenagem declarada às aventuras estreladas por Bruce Lee, como Operação Dragão (1973). Nosso herói será Addae (papel de Elisha Okyere), em busca de vingança após a destruição da escola de kung fu e do assassinato de seu mestre.
As cenas de ação misturam o realismo simulado — na pancadaria — com o exagero que busca efeito cômico: as cabeças cortadas, os jorros de sangue, a bala em câmera superlenta etc. Falta, contudo, a explosão de criatividade vista em similares como Bad Black (2016) e Crazy World (2019), filmes de Uganda que puderam ser vistos no Fantaspoa de 2021 e que se tornaram obras de culto. Expoente da chamada Wakaliwood, Nabwana I.G.G. dirige, produz, escreve os roteiros, opera a câmera, edita — inserindo os efeitos especiais assumidamente toscos — e narra seus filmes de ação. O humor é garantido por seus comentários que extrapolam as tramas amalucadas sobre pais vingativos e gangues infantis. Nazistas Africanos do Kung Fu tampouco tem a mesma graça, mas talvez ofereça uma espécie de valor antropológico para quem se dispor a assistir a seus 84 minutos de duração.