Filmes e séries podem ser aliados poderosos para elaborar a tristeza e, quem sabe, transmutar sentimentos negativos. Neste Dia de Finados (2), trouxe 15 dicas de obras que tratam de perda e de luto, de saudade e solidão. Mas o objetivo não é realçar como a morte de um ente querido é dolorosa — isso todo mundo sabe (ou um dia vai saber). Tomei o cuidado de procurar títulos capazes de proporcionar alguma espécie de alento, títulos que nos relembram: o corpo é finito, mas o amor é uma herança duradoura, e as memórias são um baú de tesouros.
O Método Kominsky
Começamos justamente com uma série que trafega pelo gênero da comédia, ainda que com fartas doses de drama. Criada em 2018 por Chuck Lorre, o mesmo dos sucessos Two and a Half Men (2003-2015) e The Big Bang Theory (2007-2019), O Método Kominsky é estrelada por Michael Douglas, hoje com 76 anos, e Alan Arkin, 86. Douglas encarna o professor de atuação Sandy Kominsky, que, enquanto administra sua escola de atores, sua vida amorosa e a própria velhice, tenta ajudar seu agente de longa data e melhor amigo, Norman, a se recompor após a morte de sua companheira. Ganhou dois Globos de Ouro em 2019 (melhor série de comédia e melhor ator, para Douglas) e também traz no elenco Nancy Travis. As duas primeiras temporadas estão disponíveis na Netflix.
After Life
O comediante inglês Ricky Gervais é o criador e o protagonista deste seriado ambientado em uma cidadezinha, na pele de um jornalista que fica viúvo. Inicialmente, Tony lida com o luto distribuindo comentários sarcásticos e ataques de raiva, demonstrando franqueza absoluta e aversão ao convívio com as pessoas (inclusive ele próprio). Mas a amargura e o cinismo dividem espaço com a delicadeza e o riso nas duas temporadas já lançadas de After Life (2019-), cada uma com seis episódios, em cartaz na Netflix. Há uma refrescante imprevisibilidade. Logo após o humor grotesco no consultório de um psiquiatra desbocado e tarado, podemos estar diante de um momento de inesperado afeto por parte do desmemoriado pai de Tony, ou de um dos vídeos com um toque de autoajuda que Lisa, a esposa morta, deixou gravado para o marido, ou de um diálogo edificante entre Tony e Anne (Penelope Wilton), ambos sentados defronte aos túmulos de seus respectivos cônjuges.
Everwood: Uma Segunda Chance
Treat Williams interpreta o médico Andy Brown neste seriado de quatro temporadas (2002-2006). Após ficar viúvo, o protagonista se muda para a pequena cidade de Everwood, no Colorado (EUA), em busca de um sentido para sua vida. É uma típica história de transformação: até a morte da esposa, Andy considerava sua carreira de neurocirurgião a coisa mais importante do mundo. Agora que seus filhos — o adolescente Ephram e a menina Delia — precisam dele mais do que nunca, suas prioridades mudam.
As Mortes de Dick Johnson
Em cartaz na Netflix, este documentário é, basicamente, uma despedida em vida. No estranho e extraordinário As Mortes de Dick Johnson (2020), a filha do personagem título, a cineasta Kirsten Johnson, resolveu homenagear o pai antes que a morte levasse seu corpo ou, no mínimo, sua memória ficasse gravemente comprometida. O viúvo Dick, aos 80 e tantos anos, começa a apresentar os sintomas do Alzheimer, mesma doença que acabou por, na prática, lhe separar eternamente de sua amada esposa. É hora de se aposentar do trabalho como psiquiatra, de parar de dirigir, de se mudar da casa grande em Seattle para o outro lado do Estados Unidos, para morar com a filha e os netos num pequeno apartamento de Nova York. A celebração se estende ao próprio ofício do cinema, capaz de eternizar as coisas e as pessoas, e capaz também de matar sem matar. Você entenderá ao assistir a este filme feito com muito amor e também humor.
Ghost: Do Outro Lado da Vida
Falando em amor e humor, chegamos a este filme que completou 30 anos em julho. Ghost (1990) é um fenômeno de popularidade, atestada por sua prevalência na Sessão da Tarde, da RBS TV: 25 exibições até agora. Dirigido por Jerry Zucker (das comédias pastelonas como Apertem os Cintos... o Piloto Sumiu! e Corra que a Polícia Vem Aí!), gira em torno de Sam (Patrick Swayze), um banqueiro que leva uma vida bem-sucedida ao lado da artista plástica Molly (Demi Moore). Mas ele acaba assassinado em um assalto e se torna um fantasma. Para entrar em contato com a amada, recorre à médium charlatã Oda Mae Brown, em uma interpretação que valeu a Whoopi Goldberg o Oscar de atriz coadjuvante — o longa também ganhou o prêmio de roteiro original (Bruce Joel Rubin) e concorreu nas categorias de melhor filme, edição e música. A mensagem é cristalina: o amor dura para sempre.
P.s. Eu te Amo
O drama romântico dirigido por Richard Lagravenese vai numa linha semelhante à de Ghost. Em P.s. eu te Amo (2008), disponível no Google Play e no YouTube, Hilar Swank interpreta uma mulher que, após morte do marido (Gerard Butler), encontra cartas que ele deixou para ajudá-la no processo de superação do luto.
Depois da Vida
As Mortes de Dick Johnson também faz lembrar deste belíssimo filme do diretor japonês Hirokazu Kore-eda. Na trama, funcionários de uma repartição burocrática do além ouvem de cada morto chegado ao lugar o relato de sua lembrança mais querida para depois filmá-la. O objetivo é que o finado possa assisti-la em uma sala de cinema e guardá-la na memória para sempre. Depois da Vida (1998) chegou a ser lançado em DVD no Brasil e bem que merecia ser resgatado pelas plataformas de streaming.
Beleza Oculta
Disponível na Netflix, o drama dirigido por David Frankel tem uma constelação, com dois atores e quatro atrizes que, juntos, concorreram 19 vezes ao Oscar e ganharam duas estatuetas: Will Smith, Edward Norton, Keira Knightley, Kate Winslet, Helen Mirren e Naomie Harris. Smith encarna um publicitário que não superou a morte da filha de seis anos. O profissional radiante deu lugar a um homem amargurado e desconectado do mundo, que escreve cartas endereçadas à Morte, ao Tempo e ao Amor e, quando aparece no trabalho, é para montar e desmanchar uma enorme estrutura com peças de dominós. Um plano mirabolante e antiético de seus sócios vai colocar o protagonista de Beleza Oculta (2016) em contato com três atores que interpretam a Morte, o Tempo e o Amor. Entrementes, ele começa a frequentar, de modo silencioso, refratário, um grupo de apoio a pais que perderam os filhos.
O Quarto do Filho
E não há dor mais inefável do que a perda de um filho. A despeito de viver na passional Itália, o cineasta e ator Nanni Moretti não se deixa levar pelo sentimentalismo em O Quarto do Filho (2001), que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e é outro título já lançado em DVD no Brasil que poderia ser recuperado pelos catálogos de streaming. A trágica partida do caçula do casal protagonista (Moretti e Laura Morante), causada por um acidente em um mergulho, abre espaço para falar sobre culpa e recomeço.
Três animações da Disney
Os personagens fofos dos filmes infantis não são imunes à perda e à dor. Um dos maiores clássicos da Disney tem a morte inesperada do pai como um evento capital. Acho que a essa altura do campeonato não é spoiler dizer que estamos falando de O Rei Leão (1994, na animação original, vencedora dos Oscar de melhor música e canção, e 2019, na versão que simula animais de verdade e que pode ser vista no Amazon Prime Video). Simba se responsabiliza pelo que aconteceu e acaba indo para longe da família. No exílio, encontrará dois amigos, Pumba e Timão, que vão ajudar no processo de amadurecimento.
Não tão famoso, Operação Big Hero (2014) é outro desenho animado da Disney que envolve a morte de um familiar. Tadashi, o irmão mais velho do protagonista, Hiro Hamada, um cientista mirim a quem deixa como legado o robô inflável Baymax. Influenciado pela cultura pop japonesa, a história se passa em San Fransokio, uma mescla de Tóquio com a americana San Francisco, e tem pegada de aventura sci-fi.
Três desenhos animados da Pixar
A Pixar, sempre delicada e dedicada às relações familiares, contribui com pelo menos três títulos nesta lista. Em Up — Altas Aventuras (2009), a sequência de abertura é uma peça antológica sobre companheirismo e finitude. A partir daí, o quase octogenário Carl precisa elaborar seu luto e aprender um novo jeito de viver, descobrindo que é, sim, possível voltar a amar _ não substituir _ e a sonhar. Ganhou os Oscar de longa de animação e música original.
Também vencedor de dois Oscar — melhor filme animado e canção (Remember Me, rebatizada no Brasil como Lembre de Mim), Viva — A Vida É uma Festa (2017) é baseado na tradição mexicana do Dia dos Mortos. A obra faz um apelo e uma ode à memória: "Lembre de mim / Hoje eu tenho que partir / Lembre de mim / Se esforce pra sorrir / Não importa a distância / Nunca vou te esquecer / Cantando a nossa música / O amor só vai crescer", dizem os versos da canção oscarizada.
Mais recente e em cartaz no Amazon Prime Video, Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (2020) se passa em um mundo mágico habitado por elfos, unicórnios, centauros, sereias e fadinhas. Os dois irmãos do título precisam fazer jus ao subtítulo nacional para conseguir um encontro mágico com seu pai, que morreu quando ambos eram pequenos. De novo, o estúdio demonstra seus poderes mágicos: o de estimular as conexões afetivas em meio à aventura trepidante e o de fazer refletir em seus personagens coloridos as sombras do nosso íntimo.