O esporte de alto rendimento é um meio difícil, extremamente exigente. E a partir do momento em que entramos nele, devemos estar preparados para todo tipo de demanda que ele nos traz. Isso envolve as viagens das mais variadas durações, a disciplina de abdicar do que gostamos em prol do sonho, as renúncias necessárias, entre outras tantas que podem ser ditas e venho aqui relatando ao longo do ano.
Honestamente, 2024 está sendo um ano impetuoso, é um ano em que naturalmente sentimos mais por ser olímpico, quando tudo parece ser mais intenso: cada obstáculo maior, cada dificuldade mais árdua e cada passo adiante é um enorme progresso.
Tendo isso em vista, senti a necessidade de falar de algo que eu sempre vi ser comentado ou abordado de uma forma superficial. Então, acho que o grande público não entende muito bem a dimensão e o quanto isso impacta a carreira de um atleta. Penso que ela seja uma das únicas companheiras da vida de um atleta de alto rendimento: a dor.
A relação dos atletas com a dor é tão intrínseca que um dos maiores desafios para nós é conseguir diferenciar uma dor de lesão de uma “dor de rotina”. A demanda física é tão grande que por vezes acabamos banalizando o sentir dor.
Quase todos os dias eu faço fisioterapia preventiva ou regenerativa. Faz parte da minha rotina. São pouquíssimos dias no ano em que eu consigo dizer com sinceridade que não senti dor durante o treino ou em competição. Inclusive, algumas vezes que digo que não senti dor, são vezes que ignorei a dor e continuei mesmo assim, é inevitável.
Acho que uma coisa clara para nós é que é impossível fazer alto rendimento sem sentir dor. E existem os mais variados tipos de dor, não digo só dores musculares depois de um treino forte, existe a dor da derrota, a dor de não alcançar um determinado objetivo e, claro, a dor das lesões que, infelizmente, são comuns.
Indo um pouco além disso, para conseguirmos evoluir, precisamos sentir dor. Ela é o sinal que o corpo nos dá de que algo está machucado e, para nós, atletas, só é possível avançarmos fisicamente “machucando” um pouco o corpo dia após dia. Somente assim há crescimento muscular e desenvolvimento técnico.
Baseado numa semana normal de treino em que praticamos de segunda a sábado, à medida que os dias passam, vamos aumentando a carga de treinamento e nossas dores também vão se acumulando até, geralmente, estarem no ápice ao sábado. Assistir-me levantar aos sábados é uma cena digna de filme de comédia. No auge dos meus 27 anos e com 1m92cm de altura, eu pareço um senhor de idade saindo da cama. Tudo isso para chegar na pista e dar 100% pela última vez para só então ter um dia de descanso.
Não digo isso só pela parte física. A mental talvez passe despercebida, mas sentir dor todos os dias é extremamente estressante, é um desafio de espírito. Se levantar e ir voluntariamente fazer algo que, entre muitas coisas, também te causa dor é uma ideia que, parando para pensar agora enquanto escrevo, parece loucura.
E, muitas vezes, vemos os atletas performando em uma olimpíada ou alguma competição grande e nos preocupamos somente com o resultado. São pouquíssimas pessoas que acompanham o processo, e mais do que isso, pouquíssimas pessoas que compreendem todo o caminho trilhado para chegar naquele momento — cada um de nós sabe o quão dolorido foi e é viver essa vida que vivemos. Acredito que é isso que torna ainda mais especial e digno o que fazemos.