Chegamos ao fim de novembro, mês da consciência negra. Ao longo desse mês, tivemos diversas reportagens, notícias e até novas políticas públicas em prol da negritude. A cada ano que passa, vejo uma evolução no debate e uma maior conscientização do grande público, o que significa que a sociedade está reconhecendo o racismo como um problema estrutural, o qual deve ser urgentemente combatido, apesar de ainda existir muita resistência. Tamanha resistência parte muito da falta de entendimento que algumas pessoas têm sobre o que realmente é a consciência negra e para que ela serve, então aqui vai minha breve tentativa de esclarecimento.
Talvez ter um dia da consciência negra faz algumas pessoas pensarem que a população negra quer impor sua cultura sobre as demais, mas, na verdade, o intuito é que a população não-negra tenha um dia (ou mês) não só para refletir sobre a contribuição do negro na construção da sociedade, mas também para observar a situação atual e compreender que ainda há uma série de medidas que precisam ser tomadas para atingirmos a igualdade. Por outro lado, para a população negra, trata-se de entender o valor de sua cultura, reafirmar sua negritude e se reconhecer como cidadãos que possuem direitos como quaisquer outros.
A base de qualquer pessoa que se diz antirracista deve ser trabalhar sua consciência negra, e isso passa muito pelo entendimento de que o nosso país possui uma dívida para com sua população negra. Partindo daí, podemos começar a ter um debate saudável que envolva todas as partes para acabarmos com a desigualdade racial no Brasil. A consciência negra deve ser praticada o ano inteiro por todos. Não vou tentar aqui rebater os defensores de uma suposta “consciência humana”, porque tem 11 meses no ano em que eles podem defendê-la, mas curiosamente só se lembram dela em novembro. De qualquer forma, isso não impede de haja um mês da consciência negra, essa tentativa de diminuição ou invalidez é um desserviço enorme e só reforça a importância do mês.
Historicamente, a população negra sempre teve um tratamento muito aquém do ideal e apenas recentemente, pode-se dizer, com muita luta, depois de muitas gerações, conseguiram ter uma voz ativa na sociedade para trazer luz às suas questões e problemas dentro da sociedade. É claro que estamos caminhando na direção correta, mas é importante notar que estamos muito longe do final. É um trabalho diário, é uma luta constante, temos de enfrentar todos os desafios que nos esperam, e cada vez mais moldarmos o futuro que queremos ver.
Não podemos nos dar por satisfeitos apenas por termos um mês destinado a isso. Há milhares de vozes, lideranças e iniciativas negras no nosso país que recebem o devido destaque apenas em novembro, isso é um problema grave. Nós somos negros o ano inteiro, tentamos reivindicar nossos direitos e precisamos ser ouvidos nos outros meses do ano, não só em novembro. A falta de destaque pela grande mídia acaba retardando um progresso ainda maior que já poderíamos ter feito nesses anos.
Outro problema sério é o destaque recebido pelas notícias relacionadas à negritude, a grande maioria trata de racismo, violência policial ou perda de vidas. Há alguns anos, houve uma série de protestos ao redor do mundo depois que o americano George Flyod foi morto por um policial. Tivemos que perder um irmão para que conseguisse se instaurar um debate público sobre a brutalidade das forças policiais ao redor do mundo, um problema que a população negra já aponta há décadas. Passamos o ano inteiro vendo todo tipo de violência, descaso e tentativa de apagamento da cultura negra. Que imagem se forma no imaginário da população quando tudo que se é noticiado é negativo?
Por qual razão não vemos mais exemplos de sucesso nos jornais ou revistas? Não digo jogadores de futebol ou artistas de qualquer área que são os exemplos mais comuns. Me refiro a professores, escritores, médicos ou presidentes, profissionais das mais diversas áreas que lutam suas vidas inteiras contra a estrutura racista na qual é baseada nossa sociedade e agora podem se tornar referência para os jovens e crianças negros. Precisamos desses exemplos mais evidenciados para toda a população, para verem que é possível, que não nos vitimizamos e estamos tentando também através de nosso esforço.
Que bom que posso dizer, "nos vemos na próxima sexta", e não, "nos vemos novembro que vem”.
A luta continua.