Existe um velho ditado Iorubá que diz, "Exu* matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje." É um ditado que se tornou muito popular nos últimos anos, principalmente após ser pronunciado pelo cantor Emicida no documentário Amarelo – É tudo pra ontem.
Essa frase é perfeita em vários sentidos e a priori me confundiu também. Na época que assisti ao documentário me intrigou por muito tempo e, se eu penso muito, ainda me intriga, mesmo após alguns anos.
As perguntas principais que ela nos acarreta é: o que você faz para combater o racismo? Que pedra você jogou para derrubar essas estruturas do passado?
Apesar de eu ter demorado para entender o que ela significava, é o tipo de ditado que nos permite múltiplas interpretações, mas a que eu entendo como mais certeira quer dizer que as lutas e batalhas que nós negros travamos hoje já começaram há muito tempo.
Elas são travadas diariamente desde as primeiras revoltas dos escravizados. Pensando bem, não será dos tempos em que os escravizados preferiam se atirar no mar ao viver uma vida de servidão? Ou quem sabe desde os tempos em que os africanos viviam em seu continente de origem? É difícil dizer com certeza; o fato é que já estão aí há muito tempo.
Vejamos bem: o 20 de novembro, é, atualmente, uma data bastante difundida e amplamente conhecida no país inteiro, inclusive sendo considerada feriado em alguns estados brasileiros (infelizmente, aqui no RS ainda não é).
Para a população negra é um passo — ou melhor, uma pedra — em direção a um futuro mais igualitário, com menor apagamento, maior notoriedade e justiça para uma das populações que mais foi prejudicada ao longo da história do Brasil. A luta por essa data começou lá atrás, há décadas, por militantes do movimento da negritude em Porto Alegre, sendo o mais notório deles o poeta Oliveira Silveira, numa época em que o debate racial ainda não era uma pauta amadurecida, principalmente no Sul do país.
Observo muito as redes sociais e sempre quando há um grande caso de racismo ou injúria racial, milhares de internautas se solidarizam, prestam mensagens de apoio à vítima, fazem textos se posicionando contra em seus perfis e se declaram aliados da causa antirracista.
Mas sempre me pergunto que tipo de ações concretas essas pessoas estão tomando para que mudemos o status quo e atinjamos a igualdade racial? Que pedras elas estão atirando? Será que estão olhando ao seu redor e vendo a maioria das profissões que os negros ocupam? Será que estão contratando mais pessoas negras para cargos de chefia? Sabem a cor das pessoas em minoria no ensino superior mesmo mais da metade da população sendo dessa cor?
Vejo com bons olhos que a maioria da população entende que o racismo é uma mazela da sociedade, mas precisamos de mais. Não basta só saber, temos que agir. Não basta só ler, temos de ter boas práticas. Não basta se revoltar, temos que fazer nossa parte.
Com o debate mais amadurecido, fico extremamente feliz que eu tenha a oportunidade de escrever sobre isso num veículo de tamanho alcance e tenho a impressão de que cada vez mais (mesmo a passos de formiga), nos aproximamos do mundo ideal.
Apesar de termos um longo caminho pela frente, consigo olhar para trás e sinto muito orgulho em ver a grande distância que os meus já percorreram. Há duas semanas escrevi que sou a continuação de um sonho, e, pensando agora, sei que pode ser algo pequeno, mas à minha maneira, estou tentando fazer como Exu.
Joguem suas pedras.
*Exu é um dos maiores orixás do candomblé. É uma espécie de mensageiro que faz a ponte entre dois mundos, divino e humano.