Preciso confessar minha ignorância: não sabia da existência de Nossa Senhora da Oliveira, padroeira da Catedral de Vacaria. Quem me falou sobre ela foi o presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), Renato Fernandes, cuja família é oriunda da região. O escritor Moacyr Scliar usava um intertítulo em suas colunas de ZH falando sobre “nomes que condicionam destinos”… Não o nome exatamente, mas essas origens de Fernandes talvez estejam na raiz de ele cultivar oliveiras desde 2017 em Caçapava do Sul — na Vila do Segredo, com 3,5 mil árvores em 12 hectares — e estar à frente da organização que reúne 90 dos cerca de 700 produtores do país.
Ele me contou essa história quando falávamos sobre a 12ª Abertura da Colheita da Oliva, marcada para sexta-feira (16) no Parque Olivas de Gramado (leia abaixo). O presidente do Ibraoliva é trineto de Joaquim Antonio da Costa, português que recebeu uma sesmaria na região de Vacaria, por volta de 1800. Formado em Teologia na Universidade de Lisboa, Costa deveria se tornar padre, mas virou tropeiro e, além de trabalhar com gado, teria introduzido o plantio de oliveiras por lá, atividade condenada pela Coroa Portuguesa, que ordenou o corte das árvores quando já havia uma pequena produção no país. Um novo momento para a olivicultura só ocorreria no pós-Segunda Guerra e, agora, nos últimos 20 anos, incrementando o olivoturismo.
Mas voltemos à Nossa Senhora da Oliveira. O site da catedral de Vacaria conta que, por volta de 1750, ao fazer uma queimada no campo, o proprietário de uma fazenda percebeu que uma pequena mancha não era tomada pelas chamas e avistou, entre as labaredas, uma imagem sobre uma pedra, com a inscrição N. S. da Oliveira. Ele erigiu uma capelinha de barro, coberta de capim, para abrigá-la. A notícia se espalhou, vizinhos passaram a peregrinar até ali, construções surgiram ao redor da ermida e iniciou-se a povoação de Vacaria.
De onde surgiu a imagem? Há quem refira obra divina. Outros contam que pode ter sido esquecida por bandeirantes portugueses (a colonização se iniciou por volta de 1700, com os missionários jesuítas, que levavam rebanhos de gado para ser criado solto, fugindo dos bandeirantes, em áreas antes habitadas por indígenas). Mais lendas cercam a estátua até a construção de uma capela de verdade, em 1761. Depois, em 1768, surgiria a freguesia de Nossa Senhora da Oliveira, e uma igreja matriz em 1870, na atual praça Daltro Filho.
A catedral, em estilo gótico, ficou pronta em 1933 e é ali que está a imagem original de 60 cm, em madeira, protegida por uma redoma. A santa dá nome ainda à Diocese, formada por 28 paróquias de 25 municípios. Em 2002, também foi inaugurado um santuário onde teria sido encontrada a estatueta, a 300 metros da catedral. Trata-se de uma capela pequena, mas resposta a um antigo desejo da comunidade, diz o padre Rene Zanandréa, que durante cinco anos, até o último dia 3, foi pároco na catedral. Oliveiras por ali há uma centenária ao lado da catedral e novas mudas plantadas há três anos na praça, na casa paroquial e na residência do bispo. O padre observa que não há notícias de outras igrejas no Estado dedicadas à santa, mas existem na Bahia e em Minas Gerais.
Origem da devoção
Acredita-se ter surgido em Guimarães (Portugal), após a passagem do apóstolo Tiago, que teria deixado ali uma imagem de Maria. Em 1342, após a passagem de uma procissão, uma oliveira ressequida do caminho teria renascido e dado frutos. A santa recebeu então o nome de Nossa Senhora da Oliveira. Outros templos dedicados à santa no Brasil: Itambé do Mato Dentro (MG), Oliveira dos Campinhos, em Santo Amaro (BA), Oliveira (MG) e Senhora de Oliveira (MG).
A abertura da colheita
Um ponto icônico para o olivoturismo vai sediar a 12ª Abertura da Colheita da Oliva no RS na próxima sexta (16), a partir das 9h. O Ibraoliva e a Secretaria de Agricultura promovem o evento no Olivas de Gramado, em parceria com o próprio parque e a prefeitura de Gramado.
Diferente das outras regiões, a safra deve ser melhor na Serra, onde o clima não prejudicou a produção — entre os 360 produtores gaúchos, estima-se quebras irregulares entre 10% e 90%, ainda que mantendo a qualidade da fruta. O azeitólogo André Bertolucci, sócio do Olivas de Gramado, comemora o fato de, pela primeira vez após três anos de produção nos 29 hectares, conseguirem extrair o azeite no próprio parque. Isso permitirá que os visitantes — 200 mil pessoas em 2023 — tenham uma experiência ainda mais imersiva.
— É preciso ressaltar que a olivicultura é fonte de emprego, renda e sustentabilidade — diz André.
A área total do parque, de 153 hectares, tem outras atrações como trilhas e tours, bike voadora sobre os olivais, butique, tratoria, piquenique e música ao pôr do sol (o Olivas Sunset). Contará ainda com Azeitaria e permitirá ao visitante produzir seu próprio blend, com rótulo personalizado.
O parque funciona de quinta a terça-feira, das 10h30min às 18h. Saiba mais no site Olivas de Gramado.
Números
- O RS tem 6,5 mil hectares de oliveiras em 112 municípios e 360 produtores.
- As principais variedades são a arbequina (espanhola) e a koroneiki (grega).
- Há 102 marcas registradas, 20 lagares (locais para extração do azeite) e 16 deles recebendo turistas.
- O setor, que investiu cerca de R$ 500 milhões nos últimos anos, gera 2 mil empregos diretos no RS.
- O Brasil é o segundo mercado consumidor de azeite do mundo (só perde para os EUA), mas o consumo per capita é baixo (400ml/ano) e menos de 1% do produto consumido é brasileiro.