Minha mania de organização, tão elogiada quanto criticada, é uma conquista de duras penas. Ela me veio à cabeça agora diante de um e-mail e de um push, esses avisos que nos alcançam a qualquer momento e ficam piscando na tela de nossos smartphones.
Começo pelo e-mail. Ele me avisa insistentemente: "Rosane, nós achamos que você vai gostar desta série" (nada como um algoritmo para dizer das nossas preferências). E me sugere assistir à primeira temporada de Ordem na Casa. Os oito episódios, dos quais só vi o primeiro, são estrelados pela japonesa Marie Kondo, conhecida mundialmente por criar o Método KonMari, de organização. Seu livro A Mágica da Arrumação, que antecedeu a série, vendeu milhões de exemplares no mundo todo, sua empresa de consultoria, em Tóquio, tem lista de espera de meses para ajudar clientes angustiados a acabar com a bagunça da casa e, de quebra, dar uma desbagunçada na vida.
Marie, que tem uma carinha de pessoa tranquila, parece ser mesmo inspiradora no quesito colocar as coisas em ordem, sugerindo que nos perguntemos, antes de descartar algo, se aquilo nos traz alguma alegria/satisfação/sentimento. Se não trouxer, é só despachar. Parece fácil, só que não. Uma amiga, que leu o livro anos atrás, me disse que ficou com vontade de jogar fora TODOS os objetos da casa. Que medo! Eu, que me considero uma "coisista", para usar a expressão criada por Pablo Neruda, sempre acho um sentido para cada objeto – até porque evito comprar/acumular coisas sem sentido.
E onde entra, nesta história, o push que eu recebi? No mesmo dia do e-mail acima, um deles chamava atenção para a morte de um menino, em Pelotas, atingido por um raio. E é aí que as histórias se cruzam. É que minha mania de organização nasceu de uma tragédia semelhante. Eu era adolescente quando a notícia chocante chegou ao meu colégio: uma colega um pouco mais velha morrera num descampado, atingida por um raio. Ficamos todos impactados e eu só pensava em como um passeio de uma tarde de domingo poderia resultar numa morte tão terrível para uma guria linda e cheia de sonhos.
Estávamos envolvidos naquele clima de consternação quando uma amiga de minha mãe fez o seguinte comentário, depois de visitar a casa da família da menina: nunca tinha visto um quarto tão arrumado como o dela, tudo absolutamente no lugar, cada roupa dobrada e arrumada como se fosse em uma prateleira de loja.
Saí de fininho da conversa das duas e fui conferir meu quarto – arrumado, mas não muito. Tratei de colocar tudo em dia naquela hora mesmo. Minhas fantasias de adolescente geraram um pânico de que algo grave pudesse acontecer e me pegar desprevenida. Nunca mais reclamei da mania de minha mãe de nos convocar para ajeitar as prateleiras da despensa ou de nossos armários, em dias chuvosos, para nos manter ocupados – estudos, jogos, leituras e TV nunca eram o bastante. A organização, para além de deixar a casa em ordem (sem trocadilhos com o programa), passou a me manter em estado de alerta.