Pode espalhar para amigos e familiares na ceia do Réveillon: a bagunça faz mal para a saúde. Tente focar-se em uma leitura profunda em um quarto bagunçado há dias, com louça e papéis espalhados pelo chão. São grandes as chances de você dispersar-se e enfrentar problemas para relembrar detalhes do que leu. Há uma explicação: o ambiente interfere em nosso pensamento. Além de espaço físico, a bagunça ocupa espaço mental. Essa persistente pulga atrás da orelha contribui para ansiedade, desatenção e até esquecimento.
A ciência já sabe que uma mesa de trabalho caótica tem raízes nas conexões que fazemos dentro do cérebro. A maneira como o ambiente é disposto tende a expressar como a informação na mente é armazenada. Ou seja, os mais bagunceiros são “desorganizados” dentro da própria cabeça.
– Pensamos antes de verbalizar, e essa linguagem não é linear como a verbal: é uma linguagem que traduz nossa própria experiência de mundo, nosso pensamento antes de ser convertido em palavras ou imagens mentais. A estruturação do pensamento, inclusive, tem aspecto quadrimensional, porque inclui as três dimensões do espaço mais o tempo. Se o mundo lá fora tem um grau de desorganização grande, as bases criadas para a formação do pensamento serão também mais desorganizadas – explica Álvaro Machado Dias, professor de neurociências na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor-geral do Centro de Estudos Avançados em Tomadas de Decisão.
Para a psicanálise, o mundo é caótico: nós é que damos uma ordem artificial à realidade quando criamos “esquemas” de ordem. Esses padrões, aprendidos com a sociedade, são necessários à mente humana porque trazem a sensação de que dominamos a natureza. Ao dizer que camisetas devem ser dobradas e não atiradas, por exemplo, aplicamos no mundo exterior uma ordem que só existe na nossa cabeça.
Essa habilidade é extremamente importante para a vida em sociedade: além de ajudar na convivência (a desordem é ruim para sobreviver em grupo), também ajuda a lidar com sentimentos inesperados. Quando a criança é ensinada desde cedo a guardar brinquedos, aprende que precisa conter impulsos e descobre como dar ordem à desordem. Mais tarde, saberá lidar com o imprevisto.
– Organizar-se é entrar em um esquema cultural. Uma pessoa com quem você consegue conversar demonstra um esquema interno. Tem gente que não consegue conversar ou se manter em um assunto porque não tem organização interna, porque não foi obrigada pelo ambiente a se civilizar. É uma pessoa que vive por impulsos, joga a roupa para um lado, deixa o copo na mesa, come comida e não limpa o prato. Organizar inclui ter hábitos que demonstram que o indivíduo sabe reter experiências e entender normas do mundo – diz Eliane Nogueira, psicanalista diretora científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPOA).
Sabe aquela história de que o bagunceiro se encontra na própria bagunça? Para a consultora organizacional Rosângela Campos, da Domus Organizzare, isso é balela. No fim das contas, o indivíduo perde tempo enquanto procura o que precisa e torna-se improdutivo.
– Quando você se organiza, a mente fica mais aliviada. A ordem remete ao belo. Quando organizo, tenho a sensação de tarefa cumprida. Ao abrir o armário, é ele quem determina como será o dia. Encontrar a camisa amassada e precisar trocar já impõe um início de dia com pequenas angústias. Com a agenda também: sem organização, você sobrecarrega a mente, esquece as coisas e se frustra – diz.
Na prática, um grande inimigo da ordem física é o acúmulo de objetos, comprados muitas vezes por impulso. Nem mesmo Steve Howard, executivo-chefe da Ikea, uma das maiores lojas de móveis para casa do mundo, defende que sigamos no ritmo atual de consumo. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, ele afirmou que a humanidade chegou ao pico de acúmulo de bens – inclusive de móveis, o foco do negócio em que atua. Ser acumulador em excesso pode até ser classificado como uma doença mental: o DSM-5, a bíblia de consulta de todos os psiquiatras do mundo, tem uma descrição específica para esse hábito nocivo.
Quem também percebeu a relação entre bagunça física e caos mental foi a guru japonesa da organização e best-seller mundial Marie Kondo. Ela defende que o primeiro passo para ordenar a vida é ordenar o lar. Para isso, prega um estilo de vida minimalista. “Comece descartando coisas. Em seguida, organize o ambiente inteiro, completamente, de uma só vez. Se você adotar essa estratégia, a desordem nunca mais voltará a se instalar”, escreve no livro A Mágica da Arrumação (Editora Sextante).
A técnica se baseia na filosofia tokimeku – em japonês, “transmitir alegria”. Marie pede que, ao deparar com um objeto dentro de casa, você se pergunte: “Isso me traz alegria”? Se a resposta for positiva, guarde-o em um lugar à vista. Caso contrário, agradeça por tudo e passe-o adiante.
Marie Kondo argumenta que, ao discernir o que transmite alegria na rotina, é possível saber onde buscar a felicidade. Descartando o superficial, a japonesa prega manipular o ambiente para, em última instância, influenciar o funcionamento do cérebro. “Quando você põe a casa em ordem, também organiza suas questões e seu passado. A consequência é que você passa a distinguir com mais clareza o que é essencial e o que é inútil, assim como o que deve e o que não deve fazer”, escreve a japonesa.
Desordem também faz bem
Não deixe o estresse subir à cabeça se você simplesmente não conseguir arrumar completamente a casa inteira ou a mesa de trabalho. De fato, impor uma organização total ao ambiente é praticamente uma utopia. É impossível controlar todos os fatores externos, o mundo vaza pelos nossos dedos. Além disso, a ordem extrema impede que você pense fora da caixa.
É o que defende Álvaro Machado Dias, professor de neurociências na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ambientes muito limpinhos, diz ele, de fato ajudam a estruturar o pensamento. Mas isso pode prejudicar a criatividade, que surge do inesperado:
– A desordem é um estado de não linearidade. Mas se engana quem acha que a desorganização só tem aspectos negativos. Claro que, se você vive em um caos, sua criatividade cai, porque você não tem o mínimo de estrutura para pensar. No entanto, ambientes extremamente organizados desestimulam ousadia. A organização máxima é o próprio reflexo do tédio. Se você organiza sua vida como uma caixa, você não pensa fora da caixa. A desordem produz profissionais melhores do que a ordem absoluta.