A ideia de fazer uma visita à casa do escritor Pablo Neruda em Santiago nos veio depois, já que meu marido, Jim, e eu estávamos viajando pelo país e tínhamos um dia para passar na capital do Chile.
Pegar o bondinho para subir ao Parque Metropolitano é uma atividade turística tradicional e praticamente obrigatória. Quando descemos, nos vimos a uma quadra de La Chascona, casa que o poeta comprou em 1951 (quando ainda estava casado com a segunda mulher, Delia del Carril) para a então amante secreta, Matilde Urrutia. Era uma parada que talvez prometesse, mas preferi não criar muitas expectativas.
No momento em que pisei no jardim de La Chascona, mudei meus planos.
– Vou ter que passar várias horas aqui – sussurrei para Jim.
Nem tinha chegado à porta da frente, mas só de olhar para o jardim, meu coração já batia acelerado como sempre faz quando deparo com um brechó particularmente interessante, ou ferro-velho, ou uma venda de garagem promissora. E aquela casa possuía as qualidades de todos esses lugares.
E havia algo mais, um elemento de certa forma relacionado à poesia de Neruda: se Matilde era, como ele mostrou em seus poemas, o grande amor de sua vida, essa casa foi o palco no qual imaginou que os dois o viveriam. "Aqui estão o pão, o vinho, a mesa, a casa, tudo o que é necessário ao homem, à mulher, à vida", escreveu ele em Cem Sonetos de Amor.
O que percebi, mesmo ainda na entrada – com sua mistura confusa de móveis de jardim de ferro batido e mosaicos, o mural que retrata aves e videiras circundando a porta em arco, a escadaria circular feita à mão e bolas de vidro das boias de navios, laranjeiras e esculturas de anjos – foi que, apesar do grande interesse na poesia de Neruda, minha verdadeira identificação com esse homem, morto há 40 anos, foi por causa de sua decoração.
La Chascona (o nome se refere ao embaraçado constante do cabelo de Matilde, elemento recorrente em seus poemas) é o tipo de casa que amo de paixão – a criação fabulosa, excêntrica e excessiva de um homem para quem os objetos tinham um profundo significado emocional, não necessariamente por seu valor intrínseco, muito menos por sua beleza convencional, mas como expressão dos sonhos da pessoa que os reuniu. Esse lugar também é a casa de um verdadeiro romântico, cheia de símbolos, talismãs e mensagens secretas para sua amante, dos quais o visitante consegue compreender só uma fração mínima. Até o dia da minha visita, só sabia que Neruda tinha escrito Vinte Poemas de Amor – mas a casa toda era poesia pura.
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Lar, apaixonante lar
Ao saber que Neruda tinha outras duas casas que dividiu com Matilde ao longo dos 20 últimos anos de sua vida, sugeri a Jim incluirmos uma visita a ambas: La Sebastiana, em Valparaíso, e a Casa de Isla Negra, a umas duas horas dali, no litoral rochoso.
La Sebastiana foi comprada em 1959. Embora Neruda tenha adquirido La Chascona sozinho, como surpresa para a amante, ele e Matilde (que nessa época já era sua terceira mulher) compraram La Sebastiana juntos – e comemoraram a inauguração, em 1961, com um de seus famosos jantares e, mais tarde, com a festa de Réveillon, onde reuniram os amigos para verem a queima de fogos no porto.
Valparaíso é uma combinação inebriante de New Orleans e Mission District, em San Francisco, com uma pitada do Quartier Latin parisiense: pisco sours em um bar cuja trilha sonora era o jazz dos anos 30; ruas de pedra sinuosas que davam na orla; murais, bondinhos e vasos transbordando de flores.
Seguimos rumo a La Sebastiana. Como em La Chascona, essa casa de Neruda tem muito verde e caminhos enfeitados por mosaicos na entrada, além de jardins escondidos, escadarias, portas e tetos baixos que dão a sensação de se estar em um navio.
Perfeita para a inspiração
O caminho para Isla Negra passa por uma série de cidadezinhas antes do litoral. Mesmo quando chegamos lá, tivemos dificuldade em encontrar a casa. De acordo com o conselho de um taxista, seguimos por uma estrada de terra a menos de um quilômetro na periferia – e lá estava ela, sobre uma pilha de rochas de frente para um trecho de mar muito revolto: a casa favorita de Neruda.
Ele a comprara originalmente para a mulher, Delia. Segundo ele, procurava por um lugar onde pudesse escrever Canto Geral.
Aqui também há um balcão e uma mesa de jantar enorme, uma lareira ampla e poltronas macias e fundas (dessa vez, de frente para o Pacífico), o escritório e o quarto romântico ao qual se chega por uma escadaria especial. Em Isla Negra, Neruda expressou seu amor pelos objetos marítimos mais do que nas outras duas casas, com pelo menos uma dúzia de figuras de proa nas paredes.
Foi aqui que ele recebeu a notícia do golpe que tirou do poder seu aliado socialista, Salvador Allende, em setembro de 1973, e de seu suicídio.
E também foi aqui, três semanas mais tarde, que passou a última noite com Matilde, antes de ser levado ao hospital onde morreu dias depois.
Depois de sua morte, Matilde nunca mais passou uma noite sequer em Isla Negra; em vez disso, voltou para Santiago, para viver o resto da vida em La Chascona – mas primeiro teve que reconstruí-la, pois, tal como a cidade, a casa tinha sido saqueada e destruída pelos militares após o golpe.