Depois de passar os últimos dias apanhando pela realização de um leilão para a importação de 300 mil toneladas de arroz e de ser cobrada pelo presidente Lula, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) teve de dar o braço a torcer: com o aval da Advocacia-Geral da União, anunciou nesta terça-feira (11) a anulação do certame.
Na esteira do que tomou proporção de escândalo, caiu o secretário de Política Agrícola, Neri Geller. Oficialmente, pediu demissão. Extraoficialmente, foi convidado a se demitir depois da revelação de que as empresas vencedoras seriam laranjas da corretora Foco, de Robson Almeida França, um ex-assessor dele. Robson trabalhou com o secretário quando ele foi deputado e é sócio de seu filho, Marcello Geller, em outro negócio.
A anulação era o único caminho possível depois do resultado do leilão, em que foram arrematadas 263,7 mil toneladas e os compradores eram pequenos comércios sem tradição na importação e sem estrutura para bancar essas compras. Entre elas, uma sorveteria, uma loja de queijos e uma locadora de automóveis. Por que o fizeram? Essa pergunta ainda precisa ser respondida e deveria ser o foco de uma investigação mais profunda.
A nota oficial da Conab dourou a pílula, dizendo que “com isso, o governo busca assegurar que as empresas participantes tenham a solidez que uma operação deste porte exige”. Diz a nota assinada pelo presidente Edegar Pretto que nenhum centavo de dinheiro público foi gasto até agora, e não foi mesmo, mas os problemas não terminam por aqui.
“A segurança jurídica e o zelo com o dinheiro público são princípios inegociáveis. É isso que justifica a decisão tomada”, diz Pretto na nota.
O leilão nasceu torto e entre o edital e a batida do martelo as coisas só pioraram. Primeiro, porque a origem da compra internacional foi um boato de que o preço explodiria por causa da enchente no Rio Grande do Sul, já que, supostamente, a maior parte da safra teria sido perdida. Os arrozeiros correram a contestar essa afirmação e garantiram que a maior parte da safra já tinha sido colhida e que o problema era de transporte naqueles dias em que as principais estradas ficaram bloqueadas.
Na prática, o preço do arroz subiu, mais por especulação do que por qualquer vantagem para o produtor. Para tornar a situação ainda mais bizarra, o edital previa que o arroz fosse entregue em embalagens de dois quilos, decoradas com a marca do governo federal em cores e dos órgãos envolvidos (Conab, Ministério da Agricultura e Ministério do Desenvolvimento Agrário), e a inscrição “preço máximo R$ 8”.
A oposição, que andava sem pauta e sem discurso consistente durante o período de calamidade, transformou a compra de arroz no seu cavalo de batalha, instrumentalizada pelos arrozeiros com argumentos em defesa da produção do Estado, da qualidade do produto e dos prejuízos sofridos pelos produtores no Estado. A embalagem (com cara de panfleto) deu aos adversários do governo o argumento para sustentar que se tratava de campanha política. A pá de cal foi o resultado do leilão, com a divulgação dos compradores. O próprio Edegar Pretto anunciou que as empresas seriam auditadas e agora comunicou a anulação do edital.
O governo não está proibido de formar estoques reguladores para impedir especulação e segurar a inflação. Mas se fizer outro edital, terá de rever a embalagem e melhorar os argumentos, sob pena de dar mais um tiro no pé.