Escudado na imunidade parlamentar, o senador Hamilton Mourão (Republicanos) foi à tribuna dizer disparates nesta quinta-feira (8), incomodado com a Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal. O que Mourão disse pode ser enquadrado em diferentes categorias de aberrações: jurídica, histórica, filosófica, religiosa e até estética. Primeira delas, dizer que "nem Hitler ousou isso", referindo-se às prisões e aos mandados de busca e apreensão.
Será necessário dizer a Mourão, um homem tão culto, quem foi Adolf Hitler? O líder nazista, senador, foi o responsável pela morte de 6 milhões de judeus, ciganos, gays, pessoas com deficiência. Foi o homem dos campos de concentração, das câmaras de gás, da supremacia ariana, do sadismo, da submissão ao que de pior a humanidade já produziu.
Noves fora a citação de Hitler, nessa banalização do Holocausto e dos campos de concentração tão comum em tempo de uso impreciso das palavras, Mourão foi além em seu discurso no Senado. Incitou as Forças Armadas a se rebelarem porque a Polícia Federal, como fez no tempo da Lava-Jato, prendeu pessoas suspeitas e apreendeu documentos e equipamentos com autorização do Poder Judiciário.
O senador eleito pelo Rio Grande do Sul em 2022 é um general da reserva. Natural que se incomode em ver amigos como Braga Netto e Augusto Heleno sendo investigados, mas deveria ser o primeiro a defender uma investigação que apura o envolvimento de civis e militares em uma tentativa de golpe que não prosperou porque, como já se disse aqui, outros colegas de farda não deram guarida aos alucinados que não queriam respeitar o resultado das eleições.
Deputados do PSOL, entre eles a gaúcha Fernanda Melchionna, anunciaram que vão acionar Mourão por incitação golpista. Por ter sido um discurso da tribuna, é provável que a Procuradoria-Geral da República nada faça, já que os senadores têm imunidade para se expressar.
Confira a íntegra do que disse Mourão:
Bom dia. Bom dia, Senadora Jussara. Bom dia, Sras. e Srs. Senadores e todos aqueles que nos acompanham.
Lamentavelmente, nosso país vive uma situação de não normalidade. E, se as pessoas responsáveis e sérias não se reunirem para avaliar, diagnosticar e denunciar o que está acontecendo, não tenho a mínima dúvida de que nós estamos caminhando para a implantação de um regime autoritário de fato no país. O que se vislumbra nessa onda de prisões e apreensões deflagrada hoje é a intenção de caracterizar as manifestações da população como fruto de uma conspiração golpista, desqualificando, portanto, toda e qualquer forma de protesto contra o estado de coisas que até 2016 tinha se instalado no Brasil sob a tutela da corrupção e hoje, lamentavelmente, sob o arbítrio da nossa Suprema Corte.
Desde os recursos sobre o resultado das eleições, cabíveis na forma da lei, até as manifestações, incluindo propositalmente outras apurações, como cartão de vacina, 8 de janeiro, etc., tudo está sendo misturado para alcançar indistintamente opositores políticos, inclusive o principal partido de oposição. As medidas persecutórias variam conforme as circunstâncias, cassando uns, prendendo outros, mas não escondem o seu objetivo final: a supressão da oposição política no país.
Penso que temos que nos reunir e publicamente - e enfatizo isto - denunciar esse ato para nos afastar claramente de qualquer postura que seja radical, de ruptura, mas temos que repudiar os fatos que estão ocorrendo.
Nenhuma - e aqui eu deixo claro: nenhuma - suposta ameaça ao Estado democrático de direito justifica tal devassa persecutória ao arrepio da lei. Não vivemos na União Soviética, não vivemos na China comunista, não vivemos em regimes totalitários, mas estamos caminhando para isso.
No caso das Forças Armadas, os seus comandantes não podem se omitir perante a condução arbitrária de processos ilegais que atingem seus integrantes ao largo da Justiça Militar. Existem oficiais da ativa sendo atingidos por supostos delitos, inclusive oficiais generais. Não há o que justifique a omissão da Justiça Militar.
Destaco aqui, Sr. Presidente: nem Hitler ousou isso no começo de sua ascensão ao poder, limpando a área naquilo que ficou conhecido como o caso Fritz, que foi a demissão do então Chefe do Estado-Maior do Exército alemão.
Acredito que temos que estar articulados. E aqui conclamo a todos que, por meio de palestras, entrevistas, artigos, postagens na rede sociais, possamos mobilizar a sociedade e que cobremos, de forma pacífica e dentro da lei, esses arbítrios que o STF vem cometendo.
Na verdade, lamentavelmente a Suprema Corte se torna instrumento das oligarquias regionais que querem subjugar o país ao seu jogo de corrupção e no qual o Partido dos Trabalhadores, com todo o seu histrionismo, não passa de uma fachada para que os verdadeiros donos do poder façam o que querem e bem entendem.
Se analisarmos a história do Brasil, é quase uma volta a 1922, uma revanche histórica das oligarquias contra tudo que as desafiou naquele momento. É extremamente preocupante uma vez que a mera observação da precipitação dos acontecimentos, cada vez mais traumáticos, indica a possibilidade lamentável de um confronto de gravíssimas consequências. Perseguem-se homens de honra que dedicaram sua vida ao serviço da pátria, ao mesmo tempo em que corruptos são aquinhoados com o perdão de suas dívidas e a bandidagem, que massacra a nossa população, está livre nas ruas.
Era isso, Sr. Presidente.