O jornalista Paulo Egídio colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço
Um relatório de auditoria produzido por técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) aponta falhas no programa Juro Zero, no qual o governo estadual se dispôs a pagar até R$ 100 milhões em juros de empréstimos tomados por pequenos empresários. A política foi implementada em 2022 pela Secretaria do Desenvolvimento Econômico (Sedec), no intuito de alavancar a economia no pós-pandemia, e executada por dois bancos públicos, Badesul e BRDE.
O documento de 188 páginas (leia a íntegra abaixo) fez um raio X de todas as etapas da iniciativa, que atendeu cerca de 15 mil micro e pequenos empreendedores. Conforme o relatório, 98 empresas obtiveram o benefício mesmo sem inscrição na Junta Comercial do Rio Grande do Sul, um dos requisitos para a participação no programa. Na avaliação os auditores, isso gera prejuízo potencial superior a R$ 1 milhão. Outras 52 não possuíam registro até dezembro de 2020, condição que também era obrigatória.
Ainda foram identificados quatro CNPJs que receberam dois empréstimos, um no Badesul e outro no BRDE, caso vedado pelas regras do programa, e outros três que firmaram as operações e depois se transferiram para outros Estados.
A auditoria também contém indícios de que parte das empresas participantes recebeu empréstimos superiores ao valor permitido para seu porte e revela que a falta de regras de controle permitiu que 298 empresários fossem contemplados mais de uma vez pelo programa, tomando empréstimos subsidiados a partir de CNPJs diferentes.
A partir de cruzamento de dados, foram detectadas 187 empresas que encerraram as atividades durante a execução do programa, para as quais foram direcionados R$ 400 mil em abatimento de juros. Uma delas deu baixa na Receita Federal duas semanas após conseguir o empréstimo.
O relatório ainda elenca uma série de críticas à formulação do Juro Zero, desde o desenho inicial até os critérios para a seleção dos beneficiários.
Na época da implementação do programa, a Sedec foi comandada por Edson Brum, hoje conselheiro do TCE, e por Joel Maraschin, atual chefe de gabinete na Secretaria da Agricultura. Ambos frisaram que a operacionalização ficou a cargo dos bancos públicos, que são vinculados à pasta. Em nota, a Sedec informou que, das 15 mil empresas beneficiadas, em torno de 500 (3,5%) apresentaram inadequações, "um valor percentual extremamente baixo" (leia a íntegra das manifestações abaixo).
Por se tratar de uma auditoria operacional, não há perspectiva de responsabilização dos gestores públicos. Os auditores sugerem apenas algumas recomendações ao governo estadual, que ainda precisarão ser votadas no pleno do TCE. No momento, o processo está sob relatoria do conselheiro Alexandre Postal.
Aliás
A concessão de novos empréstimos pelo Juro Zero não está nos planos da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, mas tramita na Assembleia um projeto de lei que institui o programa como uma política permanente. Os autores da proposta são os deputados Carlos Búrigo e Edivilson Brum, ambos do MDB.
Contrapontos
O que diz a Secretaria de Desenvolvimento Econômico:
"Os apontamentos da auditoria do TCE têm o intuito de aperfeiçoar o processo e estamos dispostos a dar a nossa contribuição. No caso do Programa Juro Zero, criado para atender a uma demanda específica da pandemia, cerca de 15 mil micro e pequenas empresas foram beneficiadas e em torno de 500 apresentaram alguma inadequação, como algum desajuste no cadastro da Junta Comercial, situações que necessitam de uma análise mais apurada. Isso significa que, em média, apenas 3,5% das empresas estavam com alguma pendência, um valor percentual extremamente baixo, e somente três empresas saíram do Estado.
O programa priorizou a desburocratização dos processos para liberação de recursos a fim de que os empreendedores contemplados tivessem acesso ao valor em tempo hábil. O subsídio só foi autorizado para operações regulares e adimplentes, não sendo permitido para refinanciamento e renegociação. Caso houvesse inadimplência, o prejuízo seria para os bancos envolvidos, mas não se tem notícia desse cenário.
A Sedec não pretende retomar o programa, tendo em vista que foi uma política pública criada para atender a uma demanda específica da pandemia. Porém, existem linhas de financiamento gerenciadas pelo BRDE e pelo Badesul, vinculados à secretaria, que disponibilizam crédito a empreendedores. Da mesma forma, continuamos trabalhando outras possibilidades de atender a demandas dos empreendedores.
O valor máximo de aporte será de R$ 100 milhões, sendo liberado parcialmente até junho de 2025, o que representou uma injeção de R$ 382 milhões na economia gaúcha, beneficiando os 15 mil empreendedores. O programa, que tem os juros amortizados mês a mês, subsidia parte dos valores pagos pelos beneficiados, os quais quitarão o financiamento em até 33 meses, com prazo de carência de três meses."
O que diz o ex-secretário Edson Brum:
"Não conheço a auditoria e possíveis apontamentos e que tem prazos para esclarecimentos, tudo dentro da normalidade. O programa Juro Zero tem regras e foi executado pelo Badesul e BRDE."
O que diz o ex-secretário Joel Maraschin:
"O Juro Zero foi uma política de Estado, criada para auxiliar micro e pequenos empreendedores na retomada da economia pós-pandemia. O papel do Estado foi oportunizar através do programa o subsidio de juros para MEIs, MEs e EPPs. Todavia, a operação bancária em si, foi uma relação banco x cliente, com a análise de crédito, solicitação de documentos, e ainda com uma declaração feita pelo tomador de crédito, baseada na lei de liberdade econômica, onde o empreendedor assinava que os dados fornecidos eram verdadeiros. Ou seja, o capital emprestado não era do Estado, e sim dos recursos próprios das instituições bancárias e a eles cabia aprovar ou não a liberação de recursos, mediante as informações fornecidas. O Juro Zero beneficiou mais de 15 mil CNPJ, e alavancou aproximadamente R$ 400 milhões em crédito para reaquecimento da economia aos empreendedores."