Quem não lembra do Efeito Orloff, aquele do "eu sou você amanhã", quando se dizia que o Brasil passaria pelos perrengues que a Argentina passava? Pois a campanha eleitoral deste ano inverteu o sinal: os candidatos Sergio Massa e Javier Milei usam as figuras do presidente Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro para dizer que a Argentina de amanhã pode passar pelos problemas que o Brasil passou.
A abordagem começou no primeiro turno e tem novos capítulos na segunda etapa, com votação marcada para o dia 19. Na corrida inicial, viralizou nas redes sociais uma peça criada pela campanha de Massa, mas divulgada sem identificação, associando a imagem de Milei à de Bolsonaro. Em preto e branco, o vídeo vai fundindo a imagem dos dois enquanto o narrador diz (em espanhol, naturalmente):
"Este homem se diz um patriota, mas odeia todos em seu país. Este homem conta piada para parecer engraçado, mas só sabe rir da desgraça dos outros. Este homem diz que é contra corrupção, mas é um mentiroso profissional. Disseram que com este homem tudo seria diferente, mas tudo mudou para pior. Este homem não é o que você pensa. No Brasil, este homem foi eleito e foi um pesadelo. A Argentina não precisa passar por isso. Nestas eleições, não se engane. Argentina, diga-me como se sente."
Neste segundo turno, a campanha de Milei deu o troco, com um vídeo no mesmo formato, só que colorido. Começa com uma montagem da capa da revista Veja, com fundo vermelho e uma caricatura de Lula, enquanto o narrador repete o mesmíssimo texto do vídeo de Bolsonaro/Milei, enquanto se sucedem imagens reais de capas da Veja da época da Lava-Jato, com manchetes como "Culpado"; "O fator Lula"; "A vez dele"; "Empreiteiro arrasta Lula para o meio do escândalo"; "A prisão dos bilionários"; "Lula comandava o esquema"; "Passado explosivo"; "Eles sabiam de tudo (com foto de Lula e Dilma)"; "Lula a um passo do abismo" e "Acabou".
Em meio à sequência de capas, uma reportagem com o título "Eleição na Argentina: Lula pediu a ex-marqueteiro que ajudasse na campanha de Sergio Massa".
O candidato do La Libertad Avanza vem tentando relativizar da imagem de Bolsonaro argentino. Nas entrevistas, diz que tem seu próprio caminho. A adaptação de discurso tem foco nas pesquisas, que apontam disputa apertada. O diretor-executivo da Atlas Intel, Andrei Roman, disse na semana passada que o apoio de Bolsonaro tira votos de Milei. O Atlas foi o único instituto que, no primeiro turno, detectou o movimento de subida de Massa, que terminou a corrida em primeiro lugar.
A última sondagem da Atlas Intel, divulgada nesta sexta-feira (3), mostra Milei com 48,5% das intenções de voto, contra 44,7% de Massa. Brancos, nulos ou eleitores indecisos somam 6,8%. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Considerando os votos válidos, o levantamento mostra Milei com 52% contra 48% de Massa. A pesquisa foi feita entre quarta-feira (1º) e sexta-feira e ouviu 3.218 eleitores por meio digital.
"Argenzuela", a nova palavra de ordem na campanha de Milei
Assim como no Brasil os candidatos de esquerda são associados à crise na Venezuela, na Argentina o ultraliberal Milei também usa e abusa dessa comparação para influenciar os eleitores de Massa. Sua campanha "shippou" os dois países e criou a expressão "Argenzuela", para dizer que se o peronista for eleito a Argentina caminhará para o abismo, com falta de produtos básicos.
As peças veiculadas nas redes sociais de aliados de Milei dizem que, se Massa for eleito, os Argentinos terão falta de pão, carne, vinho e até papel higiênico, como na Venezuela. Em vídeos disseminados especialmente no X (antigo Twitter), a imagem de Massa se funde com a de Nicolás Maduro e de Hugo Chávez, que levaram a Venezuela à ruína.
A resposta da campanha de Massa é explorar à exaustão as propostas polêmicas de Milei, mesmo que no segundo turno ele evite a falar de temas rejeitados pelos novos aliados Mauricio Macri, ex-presidente, e Patricia Bullrich, candidatado que ficou em terceiro lugar no primeiro turno. Uma da mais exploradas é a da venda de órgãos, em nome da liberdade de decisão. Uma pesquisa mostrou que 70% dos argentinos são contra essa ideia.
Uma montagem com Milei segurando um coração ensanguentado colocou a expressão "venta de órganos" nos trend topics do X. O próprio Massa postou um comentário em que diz: "Yo no creo en la venta de órganos, no es in mercado más. La vida no tiene precio". O comentário é acompanhado de um vídeo no qual Milei afirma que a venda de órgãos é um mercado a mais.
Na sequência, vem trecho de uma entrevista da deputada Diana Mondino, aliada de Milei. Questionada sobre a venda de órgãos ela diz que acha fantástico, que "é um mercado fantástico". E dá um exemplo: se uma pessoa precisa de um rim e não encontra ninguém compatível na família, e lá na outra ponta tem uma pessoa compatível disposta a vender um rim, o Estado não deve impedi-la.