Depois do susto com o primeiro turno da eleição, em que imaginava ganhar sem necessidade de segundo turno e acabou em segundo lugar, o ultraliberal Javier Milei ganhou um reforço de peso na eleição da Argentina. A candidata Patricia Bullrich, ligada ao ex-presidente Mauricio Macri, que fez 23,83% dos votos, declarou apoio a Milei, passando por cima dos ataques desferidos contra ela na campanha.
Chamada de "terrorista assassina" e acusada de pertencer ao grupo Montoneros, na juventude, Patricia aliou-se a Milei na tentativa de derrotar Sergio Massa, candidato governista.
Mais do que derrotar Massa, o que Patricia e seus aliados mais querem é varrer da Argentina o kirchnerismo, o que significa acabar com a influência de Cristina Kirchner e de seu filho Máximo. Estão em jogo os 6,2 milhões de votos que ela obteve no primeiro turno. Se a transferência fosse automática, Milei venceria de goleada, mas política não é matemática e nada garante que todos os eleitores dela terão disposição para ir às urnas no dia 19 de novembro. Nem que não votarão em branco ou até mesmo que votarão em Massa por não confiarem em Milei.
Pela lógica, sendo Patricia uma candidata da direita tradicional, o voto de seus eleitores em Milei seria automático. Mas há um feriadão no meio do caminho (a segunda-feira, 20 de novembro) e o temor é de que muitos se abstenham de votar, já que o segundo turno seria, para eles, uma escolha entre o que os argentinos definem como "o problema conhecido e o problema que virão a conhecer".
Algumas ideias expressas por Milei na campanha, como a de apoiar a venda de órgãos em nome da liberdade de cada um fazer suas escolhas, assustam até a direita mais moderada. Milei abrandou o discurso nas primeiras entrevistas, mas o que disse no primeiro turno será explorado pela equipe de marketing de Massa para ampliar o medo dos eleitores em um "salto no escuro".
O que o Brasil tem a ver com essa eleição para que se deva prestar atenção a ela? Em primeiro lugar, trata-se do maior parceiro comercial na América Latina e o terceiro maior no mundo. Milei diz que não vai conversar com o presidente Lula. Os dois países são os principais esteios do Mercosul, por quem Milei manifestou desprezo.
Se Milei vencer a eleição, essa relação será prejudicada? O embaixador Julio Bitelli garante que não. Diz que, ganhe quem ganhar, as relações diplomáticas e comerciais não serão afetadas, porque os laços entre os dois países são mais fortes que qualquer resistência política.
E mais: a Argentina precisa do Brasil, que é o seu primeiro parceiro comercial, e porque, pelo que tem conversado com a equipe do candidato, esses arroubos não passam de bravata para conquistar eleitores adeptos do "contra tudo o que está aí".
ALIÁS
Os presidentes Alberto Fernández e Jair Bolsonaro se detestavam mutuamente e nem por isso Brasil e Argentina deixaram de fazer negócios nos anos de coincidência dos seus mandatos. O presidente Lula tem mais afinidade com Sergio Massa, mas não quer se intrometer na eleição.
Não é bem assim
Com o apoio de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, a campanha de Javier Milei espalhou que Sergio Massa "comprou votos com o bilhão de dólares que Lula tirou do povo brasileiro e mandou para a Argentina".
Trata-se de uma fake news. A Argentina recebeu recentemente um empréstimo de US$ 1 bilhão da Corporação Andina de Fomento (CAF), o banco de desenvolvimento da América Latina, com o voto do favorável do Brasil. Mas a CAF não é do Brasil, que tem apenas 8% de seu capital e um voto entre 21.
O dinheiro, é verdade, deu fôlego à Argentina em uma negociação com o FMI, e, como Massa deu subsídios à população mais pobre, seus adversários dizem que foi com esse dinheiro.
Poucas pistas
A Argentina tem pouca experiência com segundo turno. De 1983 para cá, em 10 eleições presidenciais, houve segunda rodada apenas uma vez, em 2015. E com virada. No primeiro turno, o kirchnerista Daniel Scioli superou Mauricio Macri, de centro-direita, com vantagem apertada (37,08% a 34,15%). Na sequência, Macri virou o jogo (51,34% a 48,66%).
Haveria também segundo turno em 2003, mas Carlos Menem, que tinha obtido 24,45%, desistiu no meio, dando vitória a Néstor Kirchner, com 22%.
O retrospecto é feito pelo cientista político Carlos Borenstein para mostrar que não há, no passado, pista sobre o que pode acontecer em novembro entre Sergio Massa e Javier Milei. Ele ressalta que a diferença de Massa para Milei agora (6,7 pontos percentuais) é maior que a de Scioli para Macri, em 2015 (2,93 pontos).