O que ocorreu em Brasília neste domingo (8) não tem precedentes na história da democracia brasileira. É muitíssimo mais grave do que o que aconteceu nos Estados Unidos na invasão do Capitólio por simpatizantes do ex-presidente Donald Trump, que se recusava a aceitar o resultado da eleição. No Capitólio, mais de 900 pessoas foram presas e estão enfrentando processo. As forças de segurança agiram rápido e abortaram a tentativa de Trump de tomar o poder à força, impedindo a sessão que confirmou a vitória de Joe Biden.
Os atos terroristas deste domingo no Brasil atingiram os três Poderes. São chocantes as imagens do vandalismo no plenário do Supremo Tribunal Federal, no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto. Vidros quebrados, salas alagadas, cadeiras quebradas. Não foi uma manifestação espontânea. Teve articulação, teve planejamento, teve financiadores, teve executores. Quem são e a serviço de quem estavam é o que os inquéritos deverão apurar a partir de agora.
A Polícia do Distrito Federal não foi apenas omissa. Foi conivente. Não por acaso, o secretário da Segurança Pública, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, estava fora de Brasília. Onde? Em viagem aos Estados Unidos, mais especificamente na Flórida, local escolhido por Bolsonaro para se refugiar com a esposa e a filha.
O governador Ibaneis Rocha, que nomeou Anderson Torres, sabendo de quem se tratava, tem sua parcela de culpa pelo que aconteceu. Como pode o secretário da segurança que assumiu há menos de 10 dias tirar férias, sabendo-se que o clima em Brasília era tenso?
Ninguém pode dizer que foi surpreendido pela invasão dos prédios públicos. Era uma invasão anunciada nas redes sociais, com ônibus saindo de diferentes pontos do país para uma ruidosa manifestação em Brasília. O governo do Distrito Federal não viu e a "inteligência" do governo federal não detectou o perigo. Porteira aberta para os golpistas.
O que se viu foi mais do que uma tentativa fracassada de golpe de Estado. Terroristas ultrajaram a bandeira do Brasil, usando-a como adereço no ataque às instituições. Vilipendiaram o brasão da República, arrancado do prédio do Supremo Tribunal Federal para colocá-lo sobre uma cadeira de ministro do lado de fora. Afrontaram as instituições que sustentam a democracia. Conseguiriam o efeito contrário ao pretendido golpe: a união dos governadores, que ofereceram ajuda ao governo federal para restabelecer a paz em Brasília e o repúdio de instituições internacionais e de governos dos Estados Unidos, da Europa e da América Latina.
Para quem dizia que os bolsonaristas acampados nos quartéis eram pessoas pacíficas, as máscaras caíram neste domingo. A maioria sabia que, eram, sim, simpatizantes do capitão ora abrigado nos Estados Unidos os terroristas que atearam fogo em ônibus e caminhões naquele ensaio de 3 de dezembro, em Brasília, e logo depois, na tentativa de provocar uma tragédia no aeroporto, colocando uma bomba em um caminhão-tanque carregado de querosene de aviação.
O jurista Alexandre Wunderlich, professor de Direito Penal no IDP Brasília e na PUC-RS, diz que os fatos são gravíssimos e configuram crimes previstos na Lei 14.197/21, que define os crimes contra o Estado de Direito. Wunderlich identifica dois crimes claros: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
O artigo 359-L especifica: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena prevista é de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.
Já o artigo 359-M diz: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Pena: reclusão, de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violência.
— O mais grave é que aparentemente pode ter ocorrido conivência de órgãos policiais, o que impõe pronta investigação. As condutas afetam as instituições democráticas no seu funcionamento e regularidade. A investigação também deve apurar o financiamento e a organização criminosa deste ataque à democracia — ensina Wunderlich.