O filme Ainda Estou Aqui, que deu o Globo de Ouro à atriz Fernanda Torres, disputando com estrelas como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Kate Winslet, deveria ser exibido nas escolas de todo o Brasil. Os jovens que estão no Ensino Médio e não vão ao cinema porque preferem assistir vídeos curtos no TikTok terão a oportunidade de conhecer um retalho relevante da história do Brasil se o filme for mostrado nas escolas públicas e particulares.
Há pais que preferem ver os filhos longe de filmes como Ainda Estou Aqui, porque escolhem ignorar o lado sombrio da ditadura militar. Mas os jovens precisam saber o que ocorreu, para não incorrerem no erro de ir às ruas pedindo “intervenção militar”, como se viu nos últimos anos.
A história de Eunice Paiva, que Fernanda interpreta magistralmente, não tem nada de ficção. É a história do deputado Rubens Paiva, deputado federal preso por ser crítico do regime, torturado e morto nos porões da ditadura. Quem quiser saber mais pode ler o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens e Eunice, usado como base do roteiro. Pode ler também as reportagens de Zero Hora que ajudaram a elucidar o que ocorreu com o deputado interpretado por Selton Mello.
Do ponto de vista artístico, o Globo de Ouro para Fernanda é uma prova indiscutível de que o cinema brasileiro vive. Ainda que o filme não tenha vencido na categoria em que disputou, ter sido finalista já é uma vitrine privilegiada. Do ponto de vista político, a vitória de Fernandinha precisa ser vista em um contexto mais amplo: é o Brasil mostrando ao mundo as barbaridades cometidas na ditadura que durou longos 21 anos.
Aprendemos com os argentinos que o cinema tem compromisso com a história. Lembremos de A História Oficial e O Segredo dos Seus Olhos, para ficar em dois dos mais relevantes da extensa filmografia argentina sobre os tenebrosos anos da ditadura militar no país vizinho. Lá, os responsáveis pelas mortes, torturas, desaparecimento e sequestro de crianças foram julgados e condenados. Nem os ex-presidentes da República escaparam.
Por coincidência, o prêmio a Fernanda Torres saiu às vésperas do segundo aniversário das manifestações violentas de 8 de janeiro, que tiveram como pano de fundo uma fracassada tentativa de golpe. As depredações de 8 de janeiro de 2023 foram o ponto culminante de uma conspiração que envolveu civis e militares e não foi adiante porque a cúpula das Forças Armadas não aceitou embarcar na aventura dos tresloucados. O roteiro desse golpe daria outro filme, mas antes é preciso esperar pelo desfecho.