Ainda Estou Aqui, um drama político baseado em fatos reais, é o filme brasileiro que disputa uma indicação à categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2025. Ele retrata a luta da advogada Eunice Paiva para desvendar o sequestro de seu marido pela ditadura militar brasileira (1964-1985), que o tirou de casa para nunca mais retornar. E a gangorra emocional que a família enfrentou.
Rubens Paiva (interpretado no filme pelo ator Selton Mello) tinha sido deputado federal pelo MDB, celebrizado pela oposição forte ao regime militar que derrubou o presidente João Goulart (PTB) em 1964. Com direitos políticos cassados pela ditadura em 1968, o ex-deputado se aproximou de organizações de esquerda. Em 1971, no auge do período repressivo, ele desapareceu na cidade onde morava, o Rio. Jamais foi encontrado.
A versão oficial das Forças Armadas é de que o ex-deputado foi buscado em casa em 20 de janeiro de 1971 por militares do serviço secreto da Aeronáutica. Quando era conduzido para interrogatório, o veículo onde estava (um Fusca) teria sido interceptado a tiros por guerrilheiros de esquerda, que o levaram. A narrativa sempre foi contestada pela família, com base em testemunhos, inclusive de um médico legista ligado ao regime militar, que disse que Paiva foi mantido em cárcere nas dependências do Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio. Ele teria morrido numa sessão de tortura e seu corpo, esquartejado.
Como o corpo nunca foi encontrado, ficaram na história as duas versões. Até que, em 2012, Zero Hora levantou uma ponta nesse grau de mistério. Por meio da série de reportagens 'Os arquivos secretos do coronel do DOI-Codi', o jornal revelou que um oficial graduado do serviço de repressão política da ditadura militar guardava em casa, em Porto Alegre, provas do sequestro de Rubens Paiva pelas Forças Armadas.
Esse oficial era o coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias, que morreu em tentativa de assalto na capital gaúcha em 2012. Ele tinha pertencido ao DOI-Codi no Rio nos anos 1970 e 1980. Ao vasculhar arquivos apreendidos na casa do militar por policiais, repórteres de Zero Hora depararam com diversos documentos e objetos que elucidavam pontos obscuros da ditadura militar. Incluindo dois episódios: o desaparecimento de Rubens Paiva e a explosão de bombas no Riocentro, em 1981.
No primeiro caso, Molinas (nome de guerra do oficial) fazia parte da turma que manteve em cárcere o deputado Paiva. Prova disso é que o coronel guardava em casa um documento intitulado “Turma de Recebimento”. Era um ofício que informava o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (oQG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971) e uma relação de documentos, pertences pessoais e valores do ex-deputado (inclusive chaves do seu veículo, um Opel). Na margem esquerda do documento, à caneta, consta uma assinatura, possivelmente de Paiva.
A partir disso os repórteres José Luís Costa, Humberto Trezzi, Marcelo Perrone e Nilson Mariano realizaram uma série de reportagens que ajudaram a desvendar os capítulos finais morte de Paiva nas mãos da ditadura. Algo até então não documentado e que desmentiu a versão oficial.
Outro conjunto de matérias jornalísticas, também embasada em documentos do oficial morto em Porto Alegre, mostrou como subordinados do coronel Molinas Dias se envolveram na explosão de bombas no Riocentro, durante shows de música, em 1981. A ideia dos militares era culpar a guerrilha de esquerda por atentados terroristas.
As duas séries de reportagens, condensadas sob o nome 'Os arquivos secretos do coronel do DOI-Codi', renderam a Zero Hora um dos mais significativos prêmios da história do jornal. Foi o Prêmio Esso de Jornalismo de 2013, quando o jornal venceu competição nacional entre veículos de todas as mídias.