Desde que ganhei meu primeiro salário, ajudo a sustentar um gênio chamado Chico Buarque de Holanda. Primeiro comprando elepês, depois CDs e, sempre que vinha a Porto Alegre, comprando ingresso para seus shows. Aos que o acusam equivocadamente de depender de leis de incentivo à cultura, esclareço que Chico nunca precisou da Rouanet e que somos nós, os fãs que o acompanham há mais de meio século, que pagamos aquele apartamento em Paris.
Em junho deste ano, quando o Uhuu! abriu a venda de ingressos para o espetáculo Que Tal um Samba?, corri para comprar. Achei que conseguiria lugar lá na frente, mas só havia cadeiras disponíveis no fundão. Comprei dois para a quinta-feira, 3 de novembro, e, envolvida com a cobertura da eleição, mal vi o tempo passar. O dia chegou e não quis saber o setlist, porque prefiro ser surpreendida pelo repertório escolhido, mesmo sabendo que não haverá surpresa: em todos os shows, Chico traz alguma coisa nova, mas são velhos sucessos que tocam a alma dos fãs mais antigos.
Todos sabíamos que a única música nova seria Que Tal um Samba? e por certo cada um torcia para ter a sua preferida. Particularmente, queria ouvir de novo Futuros Amantes. Desconfio que seja uma das preferidas de Chico, porque esteve em todos os últimos shows, sendo um deles no bis, no Teatro do Sesi.
Sim, Chico cantou Futuros Amantes no Araújo Vianna. Mas antes teve Mônica Salmaso segurando sozinha a emoção do público e aqui abro um parêntese para falar dessa mulher.
Conheci o talento de Mônica há muitos e muitos anos, vasculhando as caixas de CDs da Livraria da Travessa, em Ipanema, Rio. Ali tive a certeza de que, assim como Nara Leão e Maria Bethânia, ela merecia fazer duetos e dividir o palco com o grande gênio da música popular brasileira. Porque ela não tinha só voz. Era o jeito de interpretar as canções de Chico, como se captasse a alma do artista.
Mônica interpretou meia dúzia de canções e Chico apareceu no palco com aquele jeito tímido que se resolve com um banquinho e um violão, mas tem uma banda incrível, que o acompanha desde sempre. Enfim, juntos!
Com a plateia na mão, a dupla repassou todos os Chicos das nossas memórias afetivas. De João e Maria dos anos 1970 a Blues para Bia de Caravanas. De Paratodos (só com Mônica) a Noite dos Mascarados.
Sim, teve manifestação política, motivo de cancelamento do artista por quem não aceita que o artista tenha preferências. Que Tal um Samba? é por si só uma manifestação política, mas essa foi apenas uma pequena parte do show, ao lado de Maninha, quem diria? Quando Chico disse que homenagearia a irmã Miúcha, já falecida, e começou a cantar a mais doce de suas canções, ninguém imaginaria que Mônica usaria os versos finais para uma espécie de catarse, chutando o ar quando os dois cantaram: “Mas não me deixe assim tão sozinha a me torturar, que um dia ele vai embora, Maninha, pra nunca mais voltar”.