O primeiro sentimento pode ser de indignação ao ler os comentários agressivos dirigidos pelos colegas do Colégio Farroupilha a uma aluna bolsista de 17 anos que ousou comemorar o resultado da eleição presidencial de domingo (30). O segundo é de pena. Não dela, a aluna ofendida por meninos e meninas de sua idade com palavras que ferem profundamente. Mas pena deles e de seus pais, que não souberam ensinar os valores básicos de uma sociedade civilizada. Respeito, por exemplo.
Ela (cujo nome não pode ser publicado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente), é necessário que se diga, não estuda no Colégio Farroupilha de favor. Não são os coleguinhas ricos que pagam a mensalidade.
Eles não sabem, mas para ter isenção de impostos, as escolas privadas precisam destinar algumas vagas aos bolsistas — e cada uma define como as distribui. Pode ser mantendo uma escola na periferia, pode ser acolhendo filhos de professores (que não conseguiriam pagar a mensalidade), pode ser abrindo espaço para um aluno com bom desempenho no esporte.
Se não fosse a filantropia, essa menina não estudaria no Farroupilha, como outros bolsistas não estudariam em outras escolas de elite, mas seus colegas que zombam dela pagariam um pouco mais. Portanto, é preciso repetir: não se trata de favor. A renúncia fiscal é paga pela população em geral. A bolsa é uma contrapartida.
Os integrantes do grupo "Bonde do Terceirão" que insultaram a colega têm lindos nomes, combinados com sobrenomes conhecidos. Talvez não tenham tido a oportunidade de aprender em casa que a democracia pressupõe respeito ao pensamento divergente. Que não precisamos gostar dos eleitos, mas não temos o direito de atacar os que votaram naqueles a quem detestamos. Se estão chateados com o resultado, aprendam a argumentar, estudem política e compreendam que nem todos vamos pensar igual. Amanhã ou depois estarão todos fazendo vestibular e serão médicos, dentistas, advogados, veterinários, engenheiros, quem sabe até os políticos do futuro.
Pobre menina rica a que escreveu para a colega: "Quando tu não conseguir emprego não vou ser eu que vou fazer caridade e ser tua patroa".
E quem garante que ela, a bolsista, preparada na mesma escola, não vá ser a "patroa", só porque não é herdeira? Não, menina. O Brasil não tem um sistema de castas: a ascensão social pelo conhecimento é difícil, mas não impossível.
Às conversas do Bonde do Terceirão do Farroupilha somam-se manifestações do mesmo nível de alunos do Colégio Israelita. Talvez até mais chocantes, porque o vídeo protagonizado por uma menina que poderia ser atriz é de uma indigência assustadora. Não, linda menina: o mundo não é só a Disney.
As escolas divulgaram notas garantindo que não avalizam os comentários preconceituosos, xenófobos e antidemocráticos. São escolas de altíssimo nível, com diretores e professores reconhecidamente corretos, que agora devem estar envergonhados pelo papelão que esses alunos mimados, cultivados como flor de estufa, protagonizaram.
Talvez seja esta a oportunidade para, antes que o ano termine, discutir tolerância em sala de aula. Porque a ninguém interessa uma sociedade de pensamento único, fechada em si mesma, incubadora da violência.
Palavra de pai
Ex-aluno do Colégio Farroupilha, pai de uma menina de quatro anos, o economista Aod Cunha está inconformado, triste e envergonhado com o que leu. Seu depoimento merece ser transcrito e lido pelos pais dos alunos agressores:
"Minha filha estuda no Colégio Farroupilha. Tem quatro anos. A última coisa que quero na minha vida é que este ambiente de ódio e falta de civilidade seja onde ela irá crescer. A escola é o lugar onde se aprende empatia pelo próximo e se respeita a diversidade, inclusive a diversidade de ideias. Tenho certeza de que o colégio tomará medidas na proporção que o ocorrido exige. Como pai e ex-aluno do Colégio Farroupilha me senti profundamente triste e envergonhado com o ocorrido."