Pelo caráter tradicionalmente competitivo, um pleito eleitoral, por si só, é um evento com potencial estressor. O momento de decisão que terá impacto no futuro do país como um todo, visível no dia a dia da população, dispara diferentes emoções. Da forma acirrada como ocorreram no Brasil, as eleições de 2022 provocaram sentimentos dos mais variados, que agora precisam ser compreendidos e elaborados. Segundo psicólogos ouvidos por GZH, é hora de eleitores de candidatos vitoriosos e derrotados nas urnas fazerem uma avaliação da tempestade de sensações dos últimos meses.
Para Ilana Andretta, professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da Escola de Saúde da Unisinos, o primeiro passo é entender o que aconteceu:
— Significa fazer uma avaliação ampla, sociológica, filosófica. É a primeira vez que há uma divisão tão grande, tão polarizada e tão carregada de violência: o desrespeito, a não empatia, o não querer escutar o argumento do outro. Muita gente votou não por convicção, mas por não querer o candidato oposto. É muito complexo lidar com esses sentimentos.
Quem está frustrado pode ocupar, agora, a posição mais vulnerável, mas mesmo as pessoas felizes com os resultados enfrentaram, muito provavelmente, momentos de grande carga emocional negativa. De acordo com Wagner de Lara Machado, professor e pesquisador da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), não se pode negligenciar essas sensações.
— Da forma como ocorreram essas eleições, com discursos muito fortes e às vezes até apelativos, isso gera, com certeza, mais estresse e uma resposta emocional mais intensa, com ansiedade, raiva, medo, irritação. Muitas vezes, é difícil lidar com essa resposta emocional, mas ela vai acontecer. Não se deve ignorar as emoções negativas, de forma alguma, mas também não se pode deixar que se amplifiquem, principalmente nas redes sociais. Temos que ter estratégias para autorregulação — diz Machado, também doutor em Psicologia e coordenador do Grupo de Pesquisa Avaliação em Bem-estar e Saúde Mental da universidade.
Serenar os ânimos é importante para ambos os lados, acrescenta Ilana:
— Quem ganhou e está feliz também pode tomar atitudes intempestivas. A alegria pode criar um mascaramento do processo emocional. A alegria e a tristeza podem ser armadilhas para tomadas de decisões. Agora é hora do respeito, da empatia.
Não surgiu nenhum inferno, mas o céu não desceu. Temos que encarar de forma consciente os desafios do país. Tirar o foco do pensamento catastrófico, de que vai dar tudo errado, ou do pensamento fantasioso, de que agora está tudo resolvido e será uma maravilha. Tanto o êxtase quanto a tristeza vão arrefecendo e dando lugar à realidade.
WAGNER DE LARA MACHADO
Psicólogo, professor e pesquisador da PUCRS
O tema das eleições desestabilizou diferentes esferas de convívio: famílias, amigos, vizinhos e colegas de trabalho tiveram relações estremecidas. Para a psicóloga e professora da Unisinos, antes de tentar retomar os laços abalados ou desfeitos, as emoções precisam se acomodar.
— Se houver o interesse de retomar, que as pessoas possam conversar com respeito e empatia. Esperar um tempo talvez seja o ideal. Mas, se trabalham no mesmo lugar e precisam conviver, que não fiquem cutucando, fazendo chacota. Que possam respeitar a dor do outro — orienta Ilana.
Machado comenta a importância da resiliência e de se retomar o chamado estado basal. Depois do estresse, o foco deve estar no autocuidado, em aspectos elementares do dia a dia: alimentação, sono, exercício físicos, atividades de lazer. Para lidar com o estresse, há duas opções: mudar a situação estressante ou mudar a forma de encará-la.
— É necessária uma reestruturação cognitiva: como eu enxergo todo esse momento? O que de fato me ameaça? O que foi apenas algo de campanha? Surgiram discursos que causam medo. É preciso ponderar. A vida continua, e tem coisas que não mudam: trabalho, família, relacionamentos. Mudança do foco e reestruturação do problema são muito importantes para os dois lados. Os desafios do Brasil estão aí: fiscais, sociais, meio ambiente. Não surgiu nenhum inferno, mas o céu não desceu. Temos que encarar de forma consciente os desafios do país. Tirar o foco do pensamento catastrófico, de que vai dar tudo errado, ou do pensamento fantasioso, de que agora está tudo resolvido e será uma maravilha. Tanto o êxtase quanto a tristeza vão arrefecendo e dando lugar à realidade. Temos um reencontro com a nossa realidade — reflete o psicólogo.
Buscar suporte social é uma boa iniciativa. O professor e pesquisador da PUCRS incentiva os contatos entre os mais próximos.
— Isso tem um efeito muito importante: ter com quem conversar, falar de suas aflições, tentar restabelecer suas rotinas. A eleição é uma página importante, mas tem que ser virada.
Reconsiderar o tempo passado na internet e nas redes sociais e também o de imersão no noticiário é importante. Não há receita pronta que valha para todos — cada um precisa escolher a estratégia que lhe parecer mais benéfica.
— Diminuir horas de uso pode servir para algumas pessoas, e selecionar conteúdos pode servir para outras. A ideia, de novo, é se recompor — destaca Machado.