A pandemia elevou a prevalência de sedentarismo, depressão e ansiedade entre a população gaúcha, mostra estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), divulgado no fim de julho. Os dados preocupam porque o Rio Grande do Sul já é o Estado líder nacional em depressão e suicídio, historicamente.
Antes do coronavírus, 4,7% dos entrevistados apresentavam ansiedade e 4,2%, depressão. Em julho deste ano, o cenário cresceu substancialmente: cerca de 30% dos participantes estavam com alto risco para ansiedade e 19%, para depressão.
Pesquisadores entrevistaram mais de 2,6 mil pessoas por questionário online para entender os efeitos da atividade física antes, durante e depois do distanciamento social imposto pela pandemia em variáveis como saúde mental, dor nas costas e demanda por consultas de saúde. A pesquisa ainda está em pré-print - ou seja, não foi revisada por pares.
Gaúchos se tornaram mais sedentários: entre os voluntários, 45% praticava 150 minutos de atividade física por semana, o mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em julho, eram 32,7%. Na esteira, o total de pessoas com dor nas costas se manteve o mesmo, mas cresceram os relatos de dores fortes.
A queda na prática de exercícios preocupa porque a atividade física funciona como escudo de proteção para evitar, no futuro, o surgimento de uma série de doenças crônicas, como diabete, pressão alta e problemas cognitivos, como Alzheimer. Além disso, ao fortalecer a saúde, contribui para a atividade econômica, ao evita gastos no sistema de saúde e afastamentos no trabalho.
— É a epidemia de depressão, epidemia de inatividade física, epidemia de diabete, epidemia de demência e epidemia de covid, que bagunçou tudo — resume o educador físico Natan Feter, pesquisador na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e um dos autores do estudo.
Para além de problemas físicos, a pandemia trouxe danos neurológicos. O estudo identificou que houve grande piora de memória: antes da pandemia, 3,2% das pessoas relatavam ter memória ruim e, em julho deste ano, eram 18,2%. A piora foi relatada mesmo por quem não teve coronavírus.
—A piora na memória é efeito da pandemia, independentemente de a pessoa ter tido covid. Tivemos um aumento da inatividade física, e isso está associado a pior memória. O próprio distanciamento social levou, em alguns casos, ao isolamento, o que está associado à piora de memória. Além disso, a depressão também está associada — afirma.
O estudo mostrou que o isolamento social não foi o culpado. Ficar em casa respeitando o distanciamento social não foi um fator de risco para ter mais risco de ansiedade e depressão em comparação a quem saía na rua.
Também foi verificado que um a cada três adultos (33%) vive situação de insegurança alimentar, quando não há acesso adequado à comida - o tema não foi tratado pelos pesquisadores antes da pandemia.
Por ter sido realizada durante a pandemia e pela internet, a pesquisa provavelmente selecionou voluntários com maior renda, com acesso ao computador. Mas Feter pontua que a tendência de aumento de problemas de saúde mental e de sedentarismo na pandemia é confirmada por outros estudos brasileiros e estrangeiros.
Três a cada quatro participantes do estudo (75%) informaram ter persistência duradoura de sintomas após infecção por coronavírus - quadro classificado como covid longa. Entre as manifestações, estão perda de memória, dificuldade de concentração, mobilidade prejudicada, tosse, falta de ar e, em menor escala, problemas gastrointestinais.
— Se pessoas com dois ou mais fatores de riscos cardiovasculares, como diabetes, hipertensão e obesidade, fizerem atividade física duas vezes por semana cai o risco para demência. A atividade física combate efeitos do envelhecimento. Podemos promover atividade física com política pública na atenção à saúde e no lazer, promovendo caminhabilidade ao alargar calçadas e investir em iluminação pública, por exemplo — salienta o educador físico.