Dormir é uma parte da rotina fundamental para restabelecimento do organismo. Além de organizar as funções físicas e cognitivas, uma boa noite de sono fortalece o sistema imunológico do corpo e também é um ato de autoacalento, de cuidado para a constituição física. Entretanto, atividades intermitentes e fatores externos como estresse e ansiedade podem resultar na falta ou privação de sono, que é cientificamente comprovado que prejudicam a saúde do coração.
A médica neurologista Dalva Poyares, do Instituto do Sono, explica as diferenças entre eventos que limitam o sono e a doença que acomete pessoas que passam pela abstinência excessiva dele.
— A falta de sono ou privação é diferente da Síndrome do Sono Insuficiente. Uma coisa é perder o sono por um dia ou curtir algum evento e ficar três dias sem dormir, por exemplo. Esse é um caso. A privação de sono aguda é um processo crônico, é outra ocorrência — ensina.
Há comprovações científicas e estudos, no entanto, que atestam que um encurtamento do período de sono em uma única noite pode mudar o ritmo cardíaco.
— Pode ter uma alteração no eletrocardiograma — afirma Dalva.
Algumas doenças podem surgir em decorrência de noites mal dormidas. De acordo com o médico cardiologista e mestre em cardiologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Silvio Gioppato, a falta de sono pode ser um fator para desenvolvimento de doenças que prejudicam as artérias do coração.
— Segundo dados e levantamentos, estudos com animais e observacionais de grandes grupos populacionais, a privação de sono, mas também o excesso, predispõe a hipertensão, favorece ou piora o aparecimento e controle da diabetes e como consequência, as doenças de deposição de gordura nas paredes das artérias coronárias — ensina o cardiologista.
Comorbidades como a obesidade, também podem ocorrer em decorrência de noites mal dormidas ou a ausência do sono.
Outro fator importante a ser levado em conta é o tempo de descanso. O intervalo ideal para um sono reparador é de seis a oito horas, segundo Dalva Poyares.
— Dormir menos de seis horas, na média, pode predispor o indivíduo a consequências cardiovasculares, e o sono de mais do que oito horas pode indicar algum problema ou comorbidade que o indivíduo não tratou e precisa tratar para também não prejudicar o bom funcionamento do coração — pontua.
Apneia Obstrutiva do Sono
A apneia obstrutiva do sono é um distúrbio relativamente frequente na população. Segundo especialistas, ela pode predominar em homens, mas também acomete mulheres. O transtorno se dá por pequenas obstruções que ocorrem nas vias aéreas superiores, especificamente na região da faringe, atrás da língua e do palato. Segundo a neurologista Dalva Poyares, esse fenômeno faz com que a região responsável pela respiração tenha uma desordem na hora do sono.
— Quando a pessoa relaxa durante o sono, ela pode ter uma redução da respiração, que geralmente é acompanhada do ronco. Na média, são pessoas acima do peso que roncam bastante. Então, se além de dormir pouco a pessoa tem apneia, aumenta muito mais o risco de ter doenças cardiovasculares, arritmia cardíaca e Acidente Vascular Cerebral (AVC). Também coopera para maior predisposição à Doença Arterial Coronariana, que pode levar ao infarto, até à esclerose — pontua Dalva.
O estresse também é um elemento que precisa ser levado em conta na hora de detectar os sintomas de uma noite mal dormida ou da insônia.
— A falta de sono pode ocorrer em decorrência da exaustão excessiva ou ela pode ser a causa de um estresse. Nós temos então uma íntima relação desse fator com a ausência do descanso — alerta Silvio.
O cardiologista continua dizendo que isso pode levar a uma sobrecarga do sistema cardiovascular:
— Os vasos vão ficar mais contraídos, o coração vai ficar mais acelerado, nós produziremos outras substâncias que serão degenerativas e isso vai trazer danos ao funcionamento do coração, especialmente deposição de gordura na parede das artérias.
Segundo o otorrinolaringologista Guilherme Scheibel, diretor-chefe do Instituto Scheibel, a maioria das pessoas que tem apneia e hipopneia do sono, que é a interrupção parcial das vias aéreas durante o descanso, costumam ter má qualidade na hora de dormir, mesmo que repousem por mais horas, acarretando no estresse, no aumento de peso por uma alimentação inadequada e consequentemente na saúde do coração.
— Por isso, normalmente, pessoas assim estão cronicamente cansadas e com níveis de hormônios de estresse aumentados, fazendo com que, ao longo do dia, essa pessoa tenha menos disposição, mais sonolência um apetite por carboidratos maior. Consequentemente, também a facilidade de ganho de peso e dificuldade para perdê-lo. Isso acaba se tornando um ciclo porque, quanto mais a pessoa engorda, mais aumenta a circunferência do pescoço, que é um dos principais fatores que contribuem para o aumento na gravidade da síndrome de apneia e hipopneia do sono.
O cortisol, hormônio do estresse, é um dos agentes responsáveis por despertar o corpo do sono. Ele é um importante elemento executor de reflexos de proteção e impulsionamento da fisiologia quando há perigo. Entretanto, quando os níveis de tensão permanecem elevados mesmo depois de situações específicas, é importante ter o cuidado de tratar a causa do estresse contínuo. Além dos fatores de riscos para doenças cardíacas, pode ocorrer um sono de má qualidade ou a ausência dele. De acordo com Silvio Gioppato, essas alterações podem levar a ocorrências fatais.
— Menos de 50% da população está na faixa normal de sono. Por ano, nos Estados Unidos, existem cerca de 6 mil acidentes de carro fatais por noites mal dormidas. Ou o indivíduo teve erro de julgamento ou dormiu no volante e acabou sofrendo a colisão. A privação de sono reduz de 3 a 5 anos a expectativa de vida da pessoa.
Insuficiência Cardíaca
A insuficiência cardíaca, que é uma doença em que o coração não bombeia sangue de forma adequada para atender às necessidades do organismo, tem uma relação direta com a Apneia Obstrutiva do Sono. Segundo Dalva Poyares se o indivíduo tem uma insuficiência leve, pode ter um sono praticamente normal, seguindo os devidos protocolos e tratamentos médicos, entretanto, quando a doença é mais avançada, combinada com a interrupção do sono, é necessário ter cuidados redobrados.
— O sono da pessoa com insuficiência cardíaca deve ser monitorado. Outro fator que deve ser levado em consideração é o edema, que é um inchaço. Quando não controlado, o líquido que se acumula nos pés na hora do sono, pela pessoa estar deitada, se espalha e isso pode agravar a apneia do sono.
A especialista ainda diz que a insuficiência cardíaca traz desconforto, falta de ar, o que leva à insônia, que pode agravar o quadro de um paciente já com a qualidade do sono prejudicada. Controlar a apneia do sono, contudo, diminui o trabalho e a dinâmica do coração para um bom funcionamento do organismo.
Como ter um bom sono, afinal?
Tratar não somente da saúde do coração, mas também do processo de respiração, é muito importante. Guilherme Scheibel ensina que os acompanhamentos em sua especialidade conseguem evitar desordens noturnas, facilitando, assim, uma boa noite de sono.
— O nariz e a parte da boca, mais especificamente a laringe que, tendo uma boa saúde, um bom tônus, conseguem evitar colapsos noturnos, que causam apneia do sono. Ou seja, respirar bem pelo nariz é muito importante e ter um bom tônus muscular e uma circunferência do pescoço adequada contribuem para um sono melhor.
Muito mais do que recorrer a medicações, os especialistas são unânimes: o ideal para se ter uma boa noite de sono, além do acompanhamento médico adequado para quem possui já doenças crônicas, é criar um ambiente favorável para o sono. Evitar exposição à luz intensa como de computadores, smartphones e televisores. A iluminação vinda desses dispositivos antes de dormir ativa o sistema nervoso central que entende que ainda é dia, retendo a liberação da melatonina, que é o hormônio do sono, e ocorre a dificuldade em dormir.
Evitar bebidas e alimentos estimulantes como a cafeína e o cacau também são recomendados. A parte de tudo isso, ter uma alimentação saudável e praticar exercícios físicos também são bem-vindos. Dormir faz parte de ter uma rotina benéfica para bom desempenho cognitivo, no trabalho, mas também para manter o coração com suas funções preservadas.