Tramitando desde 2012 no Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação movida pela seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) voltou aos holofotes recentemente, impulsionada pela discussão sobre a conveniência da adesão do Rio Grande do Sul ao regime de recuperação fiscal (RRF). No processo, a entidade questiona os critérios de atualização da dívida do Estado com o governo federal e pleiteia a redução ou até a eliminação do passivo.
Com a discussão recente a respeito do RRF, entidades e políticos voltaram os olhos à ação da OAB, já que, pelas condições da renegociação, o governo estadual teve de desistir de todas as ações judiciais em que questionava algum ponto da dívida. Até o momento, 37 instituições, partidos e políticos pediram o ingresso como amicus curiae (amigo da Corte), a maior parte disposta a apresentar argumentos favoráveis à tese da Ordem.
Entre os pontos contestados na ação civil originária (ACO) 2059 estão a suposta prática de anatocismo (cobrança de juro sobre juro) e a correção pela tabela price, sistema de amortização de operações financeiras em que as prestações têm o mesmo valor.
A ação também requer a alteração do índice de correção da dívida a contar do contrato assinado em 1998. A mudança do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) começou a valer apenas a partir de 2013, na renegociação promovida pelo então governador Tarso Genro (PT). Na ocasião, os juros também foram reduzidos de 6% ao ano para 4% ao ano.
O presidente da OAB-RS, Leonardo Lamachia, afirma que, se os argumentos da instituição forem acolhidos, a dívida já estaria quitada ou teria "redução significativa".
— Sustentamos a ilegalidade da forma de correção da dívida e pedimos que esses índices de correção e a forma de cobrança de juro sejam expurgados dos critérios de atualização — explica.
Leonardo Lamachia ressalta que o tamanho da redução depende de quantos e quais argumentos da ação sejam acolhidos pelo Supremo.
Quase 10 anos de espera
A ação movida pela OAB foi protocolada em novembro de 2012 pelo então presidente da Ordem gaúcha, Claudio Lamachia, irmão de Leonardo. A relatoria ficou com a ministra gaúcha Rosa Weber que, até o momento, não tomou decisão sobre o mérito da ação.
No movimento mais recente, a ministra solicitou que o Estado e a União se manifestassem sobre as consequências processuais relacionadas à renegociação da dívida promovida no âmbito da adesão ao RRF. O governo estadual respondeu em tom neutro, ressaltando que a OAB é a titular da ação. Já a União apontou que a ação teria perdido o objeto, versão contestada pela OAB.
Na sequência, a ministra solicitou um parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o andamento do processo. No dia 18 de maio, três ex-presidentes da entidade — Claudio Lamachia, Marcelo Bertoluci e Ricardo Breier — tiveram audiência com o procurador-geral da República, Augusto Aras, no qual entregaram memoriais com os argumentos favoráveis à continuidade da tramitação. Até agora, Aras não encaminhou sua posição.
No dia 26 de maio, Claudio Lamachia esteve com a ministra Rosa Weber, entregando os mesmos documentos.
Agora, caberá à relatora decidir se o processo segue tramitando ou se deve ser arquivado. Seja qual for a decisão, deverá ser objeto de recurso ao plenário do Supremo.
Perícia aponta potencial de redução
Durante a tramitação do processo, a ministra Rosa Weber determinou a realização de uma perícia para esclarecer dúvidas levantadas no processo. O laudo pericial, emitido em abril de 2019, tem mais de 70 páginas. Em um dos trechos, o perito responsável, Marco Aurélio Trindade da Costa, estipulou simulações sobre o impacto dos pedidos na OAB sobre a dívida
No cenário mais otimista, o saldo na época cairia de R$ 58,5 bilhões para R$ 19,1 bilhões.
Um dos representantes da OAB na causa, o advogado Ricardo Hermany acredita no sucesso da ação. Segundo ele, mesmo que o índice e a tabela utilizados para corrigir a dívida estejam previstos em lei e no contrato assinado pelo Estado, eles podem ser revistos.
— Acima da lei e do contrato, está a Constituição Federal. Os contratos devem ser lidos à luz da Constituição. No nosso entendimento, não cabe à União receber incremento financeiro a partir de uma contratação com um ente subnacional. Isso viola o pacto federativo — avalia Hermany.
Descrença no Piratini
Embora torça por um desfecho favorável ao Rio Grande do Sul no STF, o governo do Estado não deposita muitas expectativas na ação movida pela OAB. Reservadamente, integrantes do primeiro escalão do Piratini manifestam descrença em um resultado favorável.
Um dos motivos é que, se alterar as regras da dívida do Rio Grande do Sul, o Supremo abriria precedente para que outros entes federativos também tentassem reduzir seus débitos, o que teria impacto significativo nas contas do governo federal.
Questionado por GZH, o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, ressalta que a desistência das ações movidas pelo governo sobre a dívida foi um dos requisitos para a adesão ao RRF, caminho considerado mais interessante pelo Piratini para voltar a quitar o passivo com a União.
O procurador, no entanto, evita opinar sobre o mérito da ação da OAB:
— O Estado não é o autor da ação, por isso não caberia a ele se manifestar sobre o andamento do processo. Se houver algum resultado favorável, certamente o Estado receberá de bom grado.