A base dos argumentos de quem refuta a adesão do governo gaúcho ao regime de recuperação fiscal é a tese de que a dívida do Estado com a União já foi paga. Se a conta já foi quitada, não haveria motivos, então, para aderir ao programa de ajuste e de refinanciamento federal. Mas a dívida realmente já foi quitada?
O tema voltou ao centro dos debates nas últimas semanas, quando passou a ser fortemente criticado por candidatos a governador e entidades como OAB-RS e Ajuris, que representam advogados e juízes gaúchos. O grupo pressiona a Assembleia a rejeitar o último projeto apresentado pelo Palácio Piratini para selar a adesão, após cinco anos de discussões. A proposta pode ser votada nesta terça-feira (10).
Em 1998, após dois anos de negociações com o governo federal, o então governador Antônio Britto assinou o acordo que repassou à União a maior parte do passivo do RS - outros 25 Estados fizeram o mesmo (apenas Tocantins não aderiu).
A partir dali, o governo federal se tornou o principal credor do RS, que ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões à União (em valores da época) em 30 anos, com juros de 6% e incidência do IGP-DI. Ao longo do tempo, ficou claro que as condições de pagamento eram péssimas: o IGP-DI cresceu 35% acima da inflação e, com os juros de 6%, a conta se multiplicou.
Além disso, por não ter aceitado incluir a venda do Banrisul na negociação com a União, o Estado acabou arcando com parcelas mensais maiores do que as de outros Estados. Para atenuar o impacto disso nas finanças, a saída foi negociar um limitador com a União. Assim, o RS se comprometeu a repassar, no máximo, 13% da receita corrente líquida aos cofres federais por mês.
Só que isso teve um custo: as parcelas eram maiores, e as sobras não pagas acabaram formando uma espécie de dívida paralela (chamada de resíduo), que piorou ainda mais a situação. Virou uma bola de neve, uma conta impagável.
Hoje, depois de ter depositado quase R$ 40 bilhões à União, o governo do RS ainda deve R$ 73 bilhões. A questão é que não se pode comparar o valor atual ao valor original sem a atualização monetária. Aqueles R$ 9 bilhões correspondem a cerca de R$ 60 bilhões em valores atualizados pelo IGP-DI.
Se você um dia já financiou um imóvel, sabe disso: ao somar as parcelas pagas ao longo dos anos, é fácil perceber que, em determinado momento, o valor entregue ao banco supera o valor original do bem. Isso significa, então, que a pendência está resolvida? Não. Há um contrato (com juros e correção) a ser respeitado. Pode não ser justo, é verdade. Pode ser um absurdo, como no caso da dívida com a União. Mas é a regra vigente.
O que vale para um, vale para todos
Podemos, portanto, discordar dos termos e das condições do contrato assinado pelo RS com a União, mas a negociação feita em 1998 (e revisada recentemente) só termina em 2048. E isso vale, também, para os demais Estados.
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e RS concentram 77% do passivo assumido pela União no fim dos anos de 1990. O que vale para o RS vale para os demais - embora, no caso do RS, a situação seja pior, por conta do resíduo que mencionei acima.
O fato é que qualquer revisão por parte do Congresso, da União ou do Supremo Tribunal Federal envolve o todo - e não apenas o Rio Grande do Sul. Por isso é tão difícil obter o perdão da dívida ou um amplo abatimento do saldo. Isso precisa ser levado em conta no debate em torno do regime de recuperação fiscal.