Em 2013, passei um mês ouvindo ex-governadores, ex-secretários da Fazenda e economistas para uma reportagem sobre a história da dívida do RS. A bola de neve teve início há 50 anos. Desde então, passaram-se diferentes governos, e a controvérsia persiste. Às vésperas da adesão ao regime de recuperação fiscal, o debate voltou aos holofotes, pautado por OAB-RS e Ajuris, que representam advogados e juízes gaúchos.
É claro que o ideal seria - como defendem as entidades - a revisão e a consequente extinção do contrato (de fato, impagável) assinado em 1998, quando a União assumiu o passivo, na gestão de Antônio Britto. Mas a história sugere que a saída não é simples.
Naquela época, o governo estadual se comprometeu a devolver, em 30 anos, cerca de R$ 9 bilhões à União (em torno de R$ 60 bilhões em valores corrigidos), com juros de 6% e incidência do IGP-DI. O indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Hoje, depois de ter repassado quase R$ 40 bilhões aos cofres federais, o RS ainda deve R$ 73 bilhões. É um absurdo, não há dúvida.
O fato é que, nas últimas duas décadas, houve inúmeros questionamentos ao contrato, inclusive na Justiça - o primeiro deles ocorreu já em 1999, no governo de Olívio Dutra. Sem nunca chegar a uma solução definitiva, a discussão prosseguiu, ano após ano, em meio à crise.
Em 2013, Tarso Genro conseguiu viabilizar uma renegociação, concluída por José Ivo Sartori. Após dezenas de reuniões, foi possível alterar as condições de pagamento (correção e juros), alongar o prazo em 20 anos e abater parte do saldo. A União jamais se dispôs, contudo, a dar o contrato por encerrado, hipótese que também não avançou na seara judicial.
Ainda que a intenção seja a melhor possível, nada garante - diante do histórico do problema - que, agora, haverá um desfecho diferente.
Como surgiu a bola de neve
A dívida do RS começou a sair do controle em 1970, quando o Estado entrou no mercado de capitais e passou a emitir títulos com correção monetária. Os papéis tiveram rápida aceitação no mercado, o que viabilizou obras. Mas, na década seguinte, veio à tona a explosão do endividamento. Os prazos expiraram, e o pagamento passou a ser adiado. Novos títulos foram emitidos para cobrir papéis vencidos (dívida para pagar dívida). A situação piorou, até que a União assumiu o passivo, dando início à realidade que temos hoje.
Tire suas dúvidas
Quanto já se pagou à União?
Em 1998, ao assinar o acordo com a União, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (equivalente a em torno de R$ 60 bilhões em valores corrigidos) em 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Em renegociação recente, o governo conseguiu revisar as regras do contrato, mas, mesmo assim, em dezembro de 2020 (dado do último relatório oficial sobre o tema, divulgado em 2021), depois de ter repassado mais de R$ 35 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 69,1 bilhões aos cofres federais. Por conta disso, há setores que questionam o pagamento e exigem auditoria da dívida.
O Estado tem uma liminar no STF autorizando a suspensão provisória do pagamento. Quanto se deixou de pagar à União?
A liminar autorizando a suspensão dos pagamentos está em vigência desde julho de 2017. O pedido de suspensão foi feito pela Procuradoria-Geral do Estado, alegando impossibilidade financeira de manter os repasses. O fôlego ao caixa foi de R$ 1 bilhão em 2017, R$ 3,2 bilhões em 2018, R$ 3,45 bilhões em 2019, de R$ 3,47 bilhões em 2020 e de pelo menos mais R$ 3 bilhões em 2021, se aproximando dos R$ 15 bilhões na soma. O valor não será perdoado pela União. No futuro, terá de ser pago com juros e correção.
Quantos contratos são?
São 28 contratos de empréstimos, sendo 20 de financiamentos nacionais (dívida interna) e oito de operações internacionais (dívida externa). Entre os contratos nacionais, está a dívida com a União, que assumiu parte dos débitos do Estado em 1998 e representa 84,9% do total do passivo público. Em dezembro de 2020, o saldo devedor equivalia a quase o dobro da receita corrente líquida do Estado no ano (isto é, toda a arrecadação em tributos, descontadas as transferências legais).