Motivo de preocupação há décadas, a dívida do Estado do Rio Grande do Sul registrou ritmo menor de crescimento em 2020. Descontada a inflação, o valor total devido avançou 0,76%, passando de R$ 77,2 bilhões, em dezembro de 2019, para R$ 81,3 bilhões no mesmo período do ano passado. Entre 2018 e 2019, o avanço havia sido de 2% em termos reais.
A principal explicação para a elevação em patamar mais baixo em 2020 é o chamado Coeficiente de Atualização Monetária (CAM). O índice é usado na correção da dívida com a União, que, por decisão judicial, não é paga desde 2017.
— Em 2020, o CAM teve variação negativa, o que significou R$ 479 milhões a menos no saldo devedor. Se não fosse o aumento do câmbio e se estivéssemos pagando as parcelas devidas à União, provavelmente teríamos queda no saldo — diz o chefe da Divisão da Dívida Pública, Felipe Rodrigues da Silva.
Outro ponto a destacar, em 2020, foi a interrupção do pagamento de empréstimos internos firmados com o BNDES, de R$ 78,4 milhões. A medida foi possível graças à Lei Complementar nº 173, que criou o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (leia mais abaixo).
Isso não significa que a situação seja confortável. Os R$ 81,3 bilhões devidos pelo Estado equivalem a oito vezes o orçamento anual da Educação e, em grande parte, estão longe de ser quitados. O principal desafio é o contrato com o governo federal assinado em 1998 e até hoje alvo de controvérsia.
Graças à liminar obtida no Supremo Tribunal Federal (STF) há quase quatro anos, o Estado parou de pagar a conta. A medida garantiu fôlego ao caixa de R$ 11,1 bilhões no período, sendo R$ 3,47 bilhões apenas em 2020, quando o governo de Eduardo Leite conseguiu voltar a pagar os salários dos servidores em dia e reduzir em seis vezes o déficit do Estado.
O problema é que esse dinheiro terá de ser pago no futuro, com juros e correção, e a liminar é provisória. Leite teme ser obrigado a voltar a arcar com as cobranças a qualquer momento, porque a decisão judicial foi proferida sob a justificativa de que o Estado estaria prestes a ingressar no regime de recuperação fiscal da União — programa de ajuste lançado em 2017 pelo governo federal.
Apesar de inúmeras tentativas, o objetivo não se concretizou, mas uma mudança na legislação aprovada no fim de 2020, no Congresso, fez o tema voltar à pauta do dia. Em janeiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a nova lei, que reformulou o regime, criando condições de adesão mais fáceis e ampliando o prazo de duração do programa de três para nove anos.
Em abril, Bolsonaro assinou decreto regulamentando a norma. Agora, o governo Leite trabalha para apresentar uma nova proposta de adesão à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), na tentativa de obter aval dos técnicos ainda em 2021.
— Essa gestão tem sido pautada, desde os primeiros dias, pela busca incansável do equilíbrio fiscal, demonstrada não apenas com as reformas, mas também com a melhoria permanente dos indicadores fiscais. Não há dúvida de que o Estado avançou. Por outro lado, a crise continua e precisa ser enfrentada. Sem dúvida temos de continuar tentando avançar no regime de recuperação, agora sob regras mais factíveis — afirma Bruno Jatene, subsecretário do Tesouro Estadual.
Tire suas dúvidas
Quanto já se pagou à União?
Em 1998, ao assinar o acordo com a União, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (equivalente a R$ 61 bilhões em valores corrigidos) em 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Em renegociação recente, o governo conseguiu revisar as regras do contrato, mas, mesmo assim, em dezembro de 2020, depois de ter repassado mais de R$ 30 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 69,1 bilhões aos cofres federais. Por conta disso, há setores que questionam o pagamento e exigem auditoria da dívida.
Com a liminar no STF, quanto se deixou de pagar à União?
A liminar autorizando a suspensão dos pagamentos está em vigência desde julho de 2017. O pedido de suspensão foi feito pela Procuradoria-Geral do Estado, alegando impossibilidade financeira de manter os repasses. O fôlego ao caixa foi de R$ 1 bilhão em 2017, R$ 3,2 bilhões em 2018, R$ 3,45 bilhões em 2019 e, em 2020, de R$ 3,47 bilhões, somando R$ 11,1 bilhões. O valor não será perdoado pela União. No futuro, terá de ser pago com juros e correção.
Quantos contratos são?
São 28 contratos de empréstimos, sendo 20 de financiamentos nacionais (dívida interna) e oito de operações internacionais (dívida externa). Entre os contratos nacionais, está a dívida com a União, que assumiu parte dos débitos do Estado em 1998 e representa 84,9% do total do passivo público. Em dezembro de 2020, o saldo devedor equivalia a quase o dobro da receita corrente líquida do Estado no ano (isto é, toda a arrecadação em tributos, descontadas as transferências legais).
Durante a pandemia, o governo federal sancionou uma lei permitindo que os Estados parassem de pagar suas dívidas. Isso não beneficiou em nada o RS?
Com a sanção da Lei Complementar nº 173, que criou o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, os governos estaduais foram autorizados a negociar a suspensão do pagamento de dívidas federais. Isso não afetou o passivo com a União, que já estava paralisado devido à liminar, mas auxiliou a Fazenda em outra frente: permitiu a interrupção do pagamento de empréstimos internos com o BNDES na ordem de R$ 78,4 milhões. A quantia é insignificante diante do todo, mas ajudou a melhorar o fluxo de caixa e foi mais um fator que contribuiu para a melhora da situação financeira.