Nunca se viu desde o início dos trabalhos da CPI da Covid sessão mais tumultuada do que a desta sexta-feira (25), em que foram ouvidos o servidor de carreira do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luis Claudio Miranda (DEM-DF). Foi gritaria do início ao fim. Dos governistas, com a nítida intenção de tumultuar, e da oposição, reagindo com igual estardalhaço.
A tropa de choque do governo, limitada aos senadores Fernando Bezerra (MDB-PE) e Marcos Rogério (DEM-RO), deu sinais de desespero e não deixava o servidor concluir as respostas. Quem assistiu pela TV, ficou boiando em muitos pontos do depoimento em que a palavra “invoice” (sinônimo de fatura) foi a mais repetida.
Aparentando cansaço, porque veio direto dos Estados Unidos, acompanhando a remessa de 3 milhões de vacinas da Janssen, o servidor deu respostas lacônicas, foi hostilizado pelos governistas e defendido pelos demais senadores. O irmão deputado, que avisou o presidente Jair Bolsonaro das pressões sofridas pelo servidor para acelerar a liberação de um processo que permitiria o pagamento antecipado, exibiu uma farta troca de mensagens de texto e áudio para reforçar os indícios de que havia irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin.
O surgimento, no meio do caminho, de uma empresa chamada Madison, com sede em Singapura, que não constava no contrato original e receberia um adiantamento de US$ 45 milhões, engrossou o caldo das suspeitas. Essa empresa, associada à Precisa Medicamentos, seria de fachada. A própria Precisa tem um histórico de irregularidades nas relações com o governo do Distrito Federal.
Ainda que as “invoices” tenham sido corrigidas dias depois, restam zonas de sombra que precisam ser iluminadas para que todas as suspeitas de corrupção — ou tentativa — possam ser esclarecidas. Quem não deve, não teme. Por isso, soa estranha a primeira reação do governo, que escalou o ministro Onyx Lorenzoni para dar explicação. O que se viu foi um ataque ao servidor que denunciara as pressões, com ameaças de ira divina (com que autoridade?) e de processo administrativo disciplinar.
O ministro acusou os irmãos de fraudarem um documento, o que não aconteceu. Está claro que Onyx trocou os pés pelas mãos e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, teve de sair apagando incêndio e garantindo que o governo não pagará um centavo à Precisa e ao Barath Biotech. O tom ameaçador levou a CPI a pedir reforço de segurança para os irmãos, que chegaram para depor usando colete à prova de balas. O deputado disse que teme pela própria vida.
Aliás
O depoimento de Luís Ricardo Miranda deverá ter um efeito colateral no Congresso: maior dificuldade para aprovar a quebra da estabilidade dos servidores na reforma administrativa. É a certeza de que não serão demitidos que dá aos funcionários coragem para denunciar irregularidades como a que envolve a negociação da Covaxin.
Oculto?
O sujeito oculto cujo nome pairou na tumultuada sessão da CPI, que teria interferido para acelerar a aquisição da vacina indiana, é o deputado Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde e hoje líder do governo na Câmara.