Por 23 votos a 10, a Câmara de Porto Alegre aprovou nesta segunda-feira (10) um projeto de lei protocolado por cinco vereadores que tenta driblar uma decisão judicial em vigor e liberar a distribuição gratuita dos medicamentos do chamado "kit covid" nos postos de saúde. Na prática, significa dar aval legal à prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada ou mesmo de ineficácia constatada em pesquisas científicas.
Caberá ao prefeito Sebastião Melo a decisão de sancionar ou vetar o projeto, que tem apoio maciço dos seus aliados na Câmara. Votaram contra apenas os vereadores da oposição (PT, PSOL e PCdoB) e Mauro Zacher (PDT), que é independente. Logo depois de assumir, Melo anunciou a distribuição gratuita do chamado kit covid, que inclui hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e outras drogas, o que está proibido desde 11 de fevereiro por decisão judicial, da qual a prefeitura não recorreu.
A "esperteza" dos autores está na construção do texto: o projeto e a emenda aprovada não fazem menção explícita ao kit covid ou às substâncias que o integram, e sim a "medicamentos ou suplementos para o tratamento dos pacientes com sintomas da COVID-19, contanto que esses possuam prescrição médica e formalizem por escrito a sua concordância com a opção terapêutica prescrita".
Entretanto, em pronunciamentos nesta segunda e na quarta-feira passada, quando a discussão começou, os defensores da iniciativa citaram diversas vezes as drogas que compõem o kit. Além disso, reclamaram dos vereadores do PSOL que entraram na Justiça para proibir a entrega dos medicamentos.
Uma das autoras do projeto, a vice-líder do governo, Nádia Gerhard (DEM), defendeu a iniciativa na tribuna:
— Este é um projeto da vida. Não queremos mais os nossos porto-alegrenses indo com sintomas nos postos de saúde e recebendo como prescrição um ibuprofeno e uma dose de "boa sorte". Queremos que sejam tratados desde o primeiro sintoma — discursou Nádia.
Coautor da proposta, o vereador Ramiro Rosário (PSDB) disse à coluna que não defende o uso de qualquer medicamento contra o vírus, mas a "autonomia da relação médico-paciente". No entanto, reconheceu que a expectativa é que as substâncias do "kit covid" voltem a ser oferecidas na rede pública após a sanção da lei.
Ramiro também cogitou que a legislação possa embasar um novo recurso para reverter a decisão judicial em vigor:
— Poderão as partes interessadas buscar a aplicação da lei através de um novo recurso (judicial), e talvez esse seja um caminho a ser adotado.
Além de Nádia e Ramiro, assinam o texto os vereadores Fernanda Barth (PRTB), Mauro Pinheiro (PL) e Alexandre Bobadra (PSL).
Médicos que trabalham em UTIs relatam que são incontáveis os casos de pacientes que tomaram medicamentos defendidos pelos vereadores, tiveram a situação agravada e precisaram de tratamento convencional com oxigênio de alto fluxo, corticoides e anticoagulantes. Está comprovado que o uso dessas substâncias não foi capaz de evitar a morte de pacientes que desenvolveram a forma grave da doença.
Como mais de 85% das pessoas que se contaminam com o coronavírus são assintomáticas ou têm a forma leve da covid-19, poderiam se curar sem tomar nada ou apenas com analgésicos, mas quem toma esses medicamentos do chamado "tratamento precoce" tem a ilusão de que se curou com eles.
Leia o conteúdo do projeto e da emenda aprovada:
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