Todos os indicadores disponíveis mostram, hora a hora, o agravamento da situação no Rio Grande do Sul: falta de leitos de UTI nos hospitais públicos e privados, emergências com restrições, Unidades de Pronto Atendimento lotadas. Por isso, e pela convicção de que a situação ameaça sair do controle, é que o comitê científico montado pelo governo do Estado com a participação de especialistas vai recomendar, mais uma vez, o aperto nas restrições à circulação de pessoas.
— Nós já recomendamos e vamos recomendar de novo — avisa o secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia, Luís Lamb, que coordena os comitês científico e de dados.
Em Porto Alegre, antes mesmo de a ocupação de leitos de UTI ultrapassar o número cabalístico de 383, que desde o início da pandemia era tratado como “o limite do colapso”, os médicos vinham alertando para a necessidade de adotar medidas mais duras para evitar aglomerações.
O médico Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da UFRGS, ressaltou a fragilidade do argumento de que este ou aquele setor não eram focos de contaminação e que o único problema eram as festas. Lembrou que até chegar ao local de trabalho, a maioria dos empregados usa transporte coletivo que é, sim, fator de aglomeração.
O clima no comitê científico é de indignação com o resultado das reuniões de segunda-feira (22), que, nas palavras de um dos seus integrantes, “rasgaram a bandeira preta”. A recomendação dos especialistas era que o governo suspendesse a cogestão por pelo menos uma semana e as cidades aplicassem as restrições correspondentes à bandeira em que foram enquadradas.
A médica Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), reconhece que o papel do conselho é apenas consultivo, mas insiste na necessidade de adotar restrições severas por pelo menos duas semanas:
— Quando se tem um crescimento exponencial, a situação pode explodir de um dia para o outro. A sociedade precisa entender que não basta apenas abrir leitos, até porque existe uma limitação. É preciso conter a circulação do vírus, ou vai faltar UTI para quem tiver infarto, derrame e outras doenças.
Lucia lembra que os municípios são interdependentes e o que um faz pode afetar os demais. Por isso, os prefeitos deveriam fazer uma campanha unificada de conscientização da população:
— A bandeira preta não pode ser banalizada. Se estamos nela é porque os indicadores apontam para uma situação gravíssima. Em outros momentos em que foi chamada, a sociedade respondeu muito bem.
Para a médica, os empresários precisam se conscientizar de que a recuperação econômica será mais rápida se o Estado conseguir estancar o caos:
— Além das vidas perdidas, a doença deixa muita sequelas, que acabam por fazer aumentar as faltas ao trabalho e a produtividade, sem contar o custo dos tratamentos e até o aumento dos preços dos planos de saúde, pela sinistralidade.
Pediatra e defensora da prioridade à educação, a reitora considera um erro reabrir as escolas no momento em que 11 regiões do Estado estão em bandeira preta e o sistema de saúde dá sinais de colapso.
Integrante do comitê científico, o professor de Economia Ely José de Mattos, da PUCRS, reforça a necessidade de medidas mais duras:
— Claro que existe um stress econômico acumulado, com perda de empregos e renda na economia gaúcha. E entendemos que o comércio não é culpado por isso. No entanto, precisamos ter consciência de que algo precisa ser feito para evitar o colapso do sistema de saúde que se avizinha. E o que está ao nosso alcance, hoje, é a redução de mobilidade, que inevitavelmente impacta atividades econômicas. Não se trata de achar culpados ou escolher quem paga a conta, mas de agir coletivamente para evitar o pior.
A expectativa é convencer o governador Eduardo Leite a bancar o custo político de um aumento das restrições, mostrando os números que atesta, o colapso do sistema de saúde. Um dos dados mais alarmantes é o tamanho da fila por leitos de UTI. No final da tarde de domingo (21), havia no sistema de gerenciamento de internações 365 pessoas à espera de um leito, sendo 58 de UTI para pacientes com covid. Na manhã desta terça (23), a presidente do Hospital de Clínicas, Nadine Clausell, informou que a demanda tinha pulado para cem.
Pela primeira vez, mais da metade (50,7%) de todos os leitos de UTI do Rio Grande do Sul está sendo ocupada por pacientes confirmados com coronavírus. A curva de crescimento de internações é inédita: o número de internados quase dobrou em um mês, passando de 2.383 casos em 24 de janeiro para 4.325 nesta terça-feira. A lotação de 87% dos leitos de UTI é a maior desde o início da pandemia.
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