Profissionais de unidades de pronto atendimento (UPAs) e de hospitais de Porto Alegre relatam que a súbita piora da pandemia já traz sinais de esgotamento à rede de atendimento da Capital.
Enquanto a cidade atingia um novo recorde de 388 doentes em unidades de terapia intensiva (UTIs) até as 21h desta terça-feira (23) — 29 pessoas a mais do que na véspera e cinco acima do teto previsto pelo município de 383 vagas para infectados pelo coronavírus —, proliferavam relatos de represamento de pacientes em leitos de emergência, dificuldade para conseguir transferências entre estabelecimentos e falta de insumos.
Médica emergencista da UPA Moacyr Scliar, Marcela Karnikowski afirma que a situação no local, que funciona como uma das portas de entrada do sistema de saúde da Capital, chegou ao limite nesta terça.
— Estamos com um represamento absurdo de pacientes que não conseguem ser atendidos. Pacientes classificados com a cor laranja, que deveriam ser atendidos em 10 minutos, estavam esperando mais de uma hora. Também há represamento para encaminhar os pacientes graves para as UTIs dos hospitais. Como eles não estão saindo, nossa capacidade de atendimento e os nossos recursos estão se esgotando — diz Marcela.
Durante a tarde, já não haveria pontos de saída de oxigênio para novos pacientes, segundo a médica, exigindo uso de cilindros, além de falta de máscaras para respirador.
— A situação é caótica porque não para de chegar gente — afirma Marcela.
Nos hospitais, também proliferam indícios de esgotamento do sistema.
— A Emergência segue lotada com vários pacientes aguardando vaga em terapia intensiva, enquanto a gente consegue liberar dois, três leitos (de UTI) por dia, quando muito. Então está muito complicada a situação — revela o assistente de Coordenação de Enfermagem da UTI do Hospital Conceição, Marcelo de Campos.
O cenário é resultado de um aumento no número e na gravidade dos casos.
— Vivemos o pior momento da pandemia desde março. Nos últimos dias, percebemos elevação no número de pacientes em unidades de terapia intensiva, com pacientes mais jovens, com quadros pulmonares muito graves e praticamente todos necessitam de entubação e ventilação mecânica já na UTI. Estamos com uma lista de espera grande (por leito) nos hospitais — observa a médica coordenadora da UTI do Conceição e da UTI do Pavilhão Pereira Filho da Santa Casa, Taiani Vargas.
Segundo manifestação da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) via assessoria de imprensa, “tecnicamente, o esgotamento (da capacidade hospitalar) já foi atingido”. A prefeitura ampliou a oferta de leitos para dar conta da demanda avassaladora. A secretaria está orientando as pessoas com sintomas moderados que não procurem as emergências nem os pronto-atendimentos, mas busquem o posto de saúde mais próximo — que deverá dar o encaminhamento adequado a cada caso.
Relatos da linha de frente contra a covid-19
José Luis Toribio Cuadra, médico intensivista do Hospital Conceição UTI, 52 anos
"Hoje estamos observando crescimento de trabalho muito grande nas UTIs em um período muito curto. Em 48 horas, praticamente enchemos as UTIs de alguns hospitais. O mais complicado é que, agora, já não há transferências a outros hospitais. Cada um vai ter de assumir os seus pacientes.
As urgências, em 24 horas, também ficaram lotadas. E nós estamos cansados. Nosso número de pessoal é muito reduzido, não temos mais profissionais. Alguns estão se aposentando, muitos residentes foram para fora do Estado. Estamos diante de um cenário terrível, catastrófico, com tendência a piorar ainda mais com os recursos mínimos e exauridos.
Por isso, é muito importante que as pessoas fiquem em casa e nos ajudem. Ficar em casa, distanciamento, usar máscara e evitar sair de maneira desnecessária."
Marcelo de Campos, assistente de Coordenação de Enfermagem da UTI do Conceição, 43 anos
"A situação tem piorado de forma alarmante nos últimos dias. Nas UTIs, já temos atuado com lotação máxima desde a semana passada. Trabalhamos intensamente para tirar os pacientes do isolamento e dar alta, às vezes, de forma um pouco mais precoce para que consiga dar vazão para os pacientes que estão chegando da Emergência.
Mesmo assim, a Emergência segue lotada com vários pacientes aguardando vaga em terapia intensiva enquanto a gente consegue liberar dois, três leitos por dia, quando muito. Então, está muito complicada a situação.
Sabemos de casos de pessoas nas UPAs, já entubadas, aguardando transferência para o Conceição. Estamos em uma situação que até então não havíamos vivenciado na pandemia. Até achamos que talvez acontecesse em junho ou julho do ano passado, mas chegamos agora. É o pior momento."
Marcela Karnikowski, 33 anos, médica da UPA Moacyr Scliar
"Estamos com um represamento absurdo na UPA Moacyr Scliar. Pacientes com classificação laranja e vermelha, que devem ser atendidos rapidamente, estão na fila, abrem ficha e não conseguem atendimento. Há mais de uma semana, o atendimento a doentes sem gravidade já estava restrito.
No caso da cor laranja, deveriam ser atendidos em até 10 minutos, mas nesta terça-feira estavam levando até uma hora. Não estamos dando conta.
Os pacientes que já conseguiram entrar e ser atendidos estão represados porque não estão conseguindo sair para leitos de enfermaria ou de UTI dos hospitais. Como resultado, se esgotam os nossos recursos. Estamos com falta de máscaras para respirador, os pontos de saída de oxigênio nas paredes acabaram, sendo necessário usar cilindros.
Pacientes graves estão esperando sentados. A situação é caótica porque as pessoas continuam buscando atendimento na UPA, não para de chegar gente."