O presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Orlando Faccini Neto, considerou injusta a cobrança da coluna para que as entidades de classe da magistratura e do Ministério Público se manifestassem sobre o caso da modelo humilhada durante audiência em Santa Catarina. Faccini diz que não há por que a Ajuris se posicionar em relação a um caso ocorrido em outro Estado.
— Pessoalmente, considero aquela audiência um equívoco de fio a pavio, mas o episódio não pode ser usado para desmerecer a magistratura de um modo geral.
Faccini Neto postou em seu Facebook um texto no qual condena a forma como Mariana Ferrer foi tratada. Confira a íntegra:
“No lamentável episódio de ontem, alusivo à audiência de instrução criminal, o que parece certo dizer é que nenhum réu ou acusado pode ser tratado em audiência do modo como vi no vídeo, tanto mais, portanto, se pode devotar tão ignóbil tratamento à vítima.
A cena é revoltante. Não se pode, simplesmente, deixar o advogado atuar daquela forma. O resto, o caso em si, é difícil avaliar sem mais elementos, e a decisão de absolvição já foi alvo de recurso. Agora, algumas observações se impõem: essa cultura da passividade judicial, da inércia, do mero espectador, vem sendo há muito defendida por um certo setor de nossa doutrina, sempre calcada numa exaltação do sistema acusatório “puro”.
Sempre critiquei essa postura, como igualmente nunca aplaudi a permissão de perguntas diretas às vítimas e testemunhas, enaltecida por muitos que agora criticam o juiz do processo. Quando se ouvem crianças, vítimas ou testemunhas fragilizadas ou vulneráveis, a mediação judicial é fundamental, e sem compreendermos o caldo cultural em que nos inserimos arriscamos ser levianos. Uma intervenção judicial mais dura, não duvidem, levaria alguns tribunais a assentarem o cerceamento de defesa. Este o ponto a que chegamos, e torna-se mais fácil criticar, olvidando as premissas em que nos inserimos.
Neste mesmo sentido, sem conhecer as provas do processo, depreendo, contudo, e com desgosto, a existência de uma visão torpe, pela qual, se a mulher se encontra em determinadas condições de vulnerabilidade, não surgiria, em razão disso, algum tipo de interdito à prática sexual; ao revés, acaba-se por imaginar justo o inverso, um aproveitamento dessa situação, o que é inegavelmente uma visão machista e que, degradando a mulher, equipara-nos a animais.
Sem prejuízo disso tudo, necessário dizer que há casos e casos, e isso mostra como é difícil lidar com esse tipo de crimes sexuais. Vale ainda assinalar que o que li da sentença foi a alusão de inexistirem provas da debilidade da capacidade de consentir da vítima. A propalada referência ao estupro culposo é um equívoco, motivado pelo apressado julgamento das redes sociais, que cria e destrói reputações em minutos ou horas.
A alusão era no sentido de que, se a ausência da capacidade de consentir é elemento do tipo penal, a má apreciação do réu, no ponto, poderia ensejar erro de tipo, que só viabiliza punição a título de culpa, se como tal o crime for previsto, o que não ocorre, por evidente, no estupro. O slogan criado vendeu a notícia e amplificou as consequências de uma situação que já é, por si só, difícil, tudo a exigir comedimento, equilíbrio e maior reflexão.”
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