O silêncio que se abateu sobre as entidades de classe de juízes, promotores e advogados sobre a audiência em que a modelo Mariana Ferrer foi humilhada em Santa Catarina, começou a ser quebrado nesta quarta-feira (5) com uma sequência de notas oficiais e de manifestações individuais.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), presidida por Renata Gil, divulgou nota dizendo que “acompanha com atenção as manifestações provocadas por decisão da 3ª Vara Criminal de Florianópolis e reforça que eventuais divergências quanto ao teor de decisões judiciais devem ser apresentadas por meio dos recursos previstos em lei”. A nota diz que esses são os instrumentos que a Constituição e a democracia asseguram para que decisões da Justiça sejam questionadas.
Sem citar o nome do juiz Rudson Marcos, que assiste à humilhação da jovem pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho e apenas pergunta se ela quer um copo d’água para se recompor, a AMB diz que condutas discriminatórias e humilhantes ocorridas contra vítimas em audiências devem ser repelidas e apuradas no âmbito do Poder Judiciário.
“Qualquer tipo de excesso da atividade da magistratura deve ser verificado por meio das corregedorias nacional e local, o que, no caso supracitado, já ocorre no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC)”, diz a nota.
No parágrafo seguinte, defende as mulheres vítimas de violência: “A AMB, maior entidade representativa da magistratura brasileira, tem o compromisso de construir um caminho permanente, acessível e justo às mulheres vítimas de violência física ou verbal”. A entidade lembra que, de acordo com a Convenção de Belém do Pará, tratado internacional vinculado à Organização dos Estados Americanos, “a violência contra a mulher constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”.
O tratado estabelece como dever dos Estados Partes o empenho em “estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência”.
“O Judiciário tem sido ativo na busca do cumprimento desses compromissos”, diz a nota.
Confira a íntegra:
NOTA PÚBLICA
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) acompanha com atenção as manifestações provocadas por decisão da 3ª Vara Criminal de Florianópolis e reforça que eventuais divergências quanto ao teor de decisões judiciais devem ser apresentadas por meio dos recursos previstos em lei. Esses são os instrumentos que a Constituição e a democracia asseguram para que decisões da Justiça sejam questionadas.
A AMB defende que condutas discriminatórias e humilhantes ocorridas contra vítimas em audiências sejam repelidas e apuradas no âmbito do Poder Judiciário. Qualquer tipo de excesso da atividade da magistratura deve ser verificado por meio das corregedorias nacional e local, o que, no caso supracitado, já ocorre no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).
A AMB, maior entidade representativa da magistratura brasileira, tem o compromisso de construir um caminho permanente, acessível e justo às mulheres vítimas de violência física ou verbal. Lembramos que, de acordo com a Convenção de Belém do Pará, tratado internacional vinculado à Organização dos Estados Americanos, “a violência contra a mulher constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”. O tratado estabelece como dever dos Estados Partes o empenho em “estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência”. O Judiciário tem sido ativo na busca do cumprimento desses compromissos.
A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDAW), realça o reconhecimento da proibição da violência de gênero contra mulheres como princípio do direito internacional consuetudinário, e remete à obrigação geral dos Estados Partes, em nível judicial, de garantir procedimentos legais que, além de imparciais e justos, não sejam afetados por estereótipos de gênero ou interpretações discriminatórias.
Além disso, a Recomendação nº 79/2020, do CNJ, dispõe “sobre a capacitação de magistradas e magistrados para atuar em Varas ou Juizados que detenham competência para aplicar a Lei nº 11.340/2006”, oriunda do Grupo de Trabalho estabelecido pela Portaria CNJ nº 70/2020, do qual a AMB participou, destinado à “elaboração de estudos para a indicação de soluções ao Conselho Nacional de Justiça voltadas à prioridade de atendimento das vítimas de violência doméstica e familiar ocorrida durante o isolamento social em decorrência da pandemia do novo coronavírus – COVID-19”.
A AMB reafirma a importância da implementação da Política Nacional de Incentivo da Participação Feminina no Poder Judiciário (Resolução CNJ 255/2020), que faz remissão expressa ao “esforço para se alcançar o 5º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU)”, com a instalação, em todos os tribunais do país, dos Comitês de Gênero, com a apresentação de planos de trabalhos que contemplem medidas afirmativas de equidade. Ações que somente serão efetivas em um sistema de justiça orientado por protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, em respeito ao princípio constitucional da igualdade.
A AMB reitera seu compromisso com a sociedade, lembrando que só há soluções para o Brasil dentro da lei e da Constituição.
Renata Gil
Presidente da AMB
Maria Domitila
Diretora da AMB Mulheres