A retirada do projeto da reforma tributária da Assembleia Legislativa é o desfecho de uma história que começou a ser escrita na campanha eleitoral de 2018. As mesmas frases do candidato Eduardo Leite que impulsionaram sua vitória na eleição selaram a derrota do governador em um dos seus projetos mais ambiciosos, o da mudança na lógica da cobrança de impostos, para tributar mais a propriedade e menos o consumo e a produção.
Quando disse que era possível pagar os salários do funcionalismo em dia, ajustando o fluxo de caixa, Leite mostrou que desconhecia a gravidade da situação financeira do Estado ou que tinha excesso de autoconfiança. Para complicar a relação com os deputados que hoje tocam a marcha fúnebre no enterro da reforma tributária, usou uma expressão que jamais será esquecida pelos aliados fiéis do ex-governador José Ivo Sartori, a de que para resolver os problemas do Estado era preciso “tirar a bunda da cadeira”.
Eleito, o governador precisou pedir a prorrogação das alíquotas majoradas de ICMS e só o fez por dois anos, como prometido, na certeza juvenil de que seria tempo suficiente para equilibrar as contas, graças a outras reformas que tinha em mente.
O deputado Gabriel Souza (MDB), que fora líder do governo Sartori na Assembleia, alertou que dois anos seriam pouco e que Leite deveria aproveitar o crédito conquistado nas urnas para ampliar a validade das novas alíquotas. Lembrou que Sartori havia proposto o aumento por tempo indeterminado por conhecer a profundidade do poço.
Em uma entrevista ao Jornal do Comércio, Leite disse, em 2018, que não seria possível baixar o ICMS de uma vez só, sinalizando com uma reforma tributária, mas seus antigos adversários resgataram outras manifestações em que apenas prometia não renovar o aumento.
Aliados do governador acreditam que depois do segundo turno da eleição municipal será possível encaminhar o pedido prorrogação do aumento das alíquotas de ICMS, até por pressão dos prefeitos eleitos, que em sua maioria assumirão com os cofres raspados e com a perspectiva de queda de receita.
A campanha eleitoral é um dos fatores, mas não o único para explicar o naufrágio da reforma tributária. A coluna repete aqui os que usou no domingo para explicar a desidratação do projeto e outros que se materializaram nos últimos dias.
Os 10 motivos que levaram à retirada da reforma
1.Discurso não colou
Logo que propôs a reforma, o governo tentou emplacar o discurso de que a proposta significava redução de impostos para as famílias, sobretudo as mais pobres. Com maior ou menor grau de informação, a população tinha ciência de que o aumento aprovado no governo Sartori e renovado em 2018 era temporário e esperava uma redução imediata a partir de 2021. O fato de a redução do ICMS de combustíveis, energia e telecomunicações ser compensado pela tributação da cesta básica e pelo aumento do IPVA criou o cenário para a rejeição.
2.Complexidade do tema
O sistema tributário é pouco familiar para a maioria dos deputados, que dependem das assessorias técnicas para traduzir o conjunto de mudanças, mas qualquer um entendia que haveria aumento do IPVA e do ICMS de alimentos e remédios. Por mais que o governo repetisse que esses aumentos seriam compensados pela redução do ICMS de energia, combustíveis e telecomunicações, a mensagem que colou foi a da elevação.
3.Campanha contra
Adversários da reforma grudaram no projeto o rótulo de “aumento da carga tributária”, mesmo que a previsão de arrecadação em 2021 fosse levemente inferior à deste ano. Seria aumento em relação à expectativa de queda com o retorno das alíquotas ao patamar de 2015, mas o fato alguns produtos terem, de fato, elevação de carga, ofuscou as compensações, como a redução no preço da gasolina, da energia e das comunicações. O governo tentou contestar exemplos como o de que o churrasco iria fica mais caro com o argumento de que a gasolina, a energia e a conta de telefone ficariam mais baratos, mas a ideia do aumento de imposto já estava sedimentada.
4.Efeitos da pandemia
Com as reuniões presenciais limitadas pela necessidade de distanciamento social, os deputados que têm o poder de decisão foram apresentados ao projeto em reunião virtual, muitos acompanhando a apresentação de lâminas pela tela minúscula do celular. Sem as reuniões em que tiravam dúvidas no Galpão Crioulo do Piratini ou sugeriam mudanças diretamente ao governador, o diálogo ficou truncado. O deputado Sergio Turra (PP) diz que faltou o “olho no olho”. Foram muitas reuniões, mas os deputados desligavam o celular ou o computador com a sensação de que estavam apenas sendo comunicados do conteúdo. Além disso, com o desemprego, o fechamento de empresas e a queda no faturamento, os deputados constataram que não havia clima para qualquer alteração tributária que implicasse sacrifício para este ou aquele setor.
5.Falta de humildade
Embora o governador e sua equipe tenham percorrido o Estado defendendo a reforma e ouvindo sugestões, entre os deputados a convicção é de que faltou humildade para ouvir as ponderações de quem tinha contato com a base.
6.Discurso de campanha
Vídeos e áudios de declarações de Leite na campanha, prometendo não aumentar impostos, se espalharam pelas redes sociais. Mágoas do passado ressurgiram em manifestações do tipo “ele tinha solução para tudo, agora aguente”.
7.Resistência ao novo
As inovações elogiadas por tributaristas não foram percebidas pela população. No contato com as bases, os deputados só ouviam críticas. Até a devolução do ICMS para as famílias de baixa renda foi bombardeada por não ter precedentes. “Não vai dar certo”, “pobre não compra com nota fiscal”, “as pessoas não vão conseguir receber o dinheiro” eram expressões usadas em tom de certeza para desqualificar o projeto.
8.Resistências setoriais
A proposta de corte de benefícios ficais mobilizou os líderes dos setores atingidos. Além dos dirigentes de federações empresariais, representantes dos segmentos afetados cercaram os deputados tentando defender o seu quinhão. Diferentemente das reformas administrativa e previdenciária, que atingiram servidores em um momento de fragilidade das organizações sindicais, a reforma tributária enfrentou lobbies poderosos e a rejeição popular, pela resistência natural ao pagamento de impostos.
9.Perfil da Assembleia
A renovação que emergiu das urnas em 2018 colocou na Assembleia deputados de perfil mais liberal na economia e conservador nos costumes. Esse contingente foi muito útil para aprovar as privatizações e as reformas que atingiram o funcionalismo, mas, por ideologia ou para não perder o discurso, rejeitou apoiar uma proposta que representava reajuste de tributos para alguns setores econômicos.
10. Eleição de 2022
Ainda que ninguém admita publicamente, a perspectiva de Eduardo Leite crescer como figura nacional no PSDB incomoda os concorrentes. O fato de não ser candidato à reeleição, que poderia facilitar a aprovação de propostas impopulares, acaba se anulando pela perspectiva de ganhar destaque no centro do país.
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