
As alterações que estão sendo discutidas por interlocutores do governador Eduardo Leite com deputados para preservar a arrecadação em 2021 podem ser chamadas de qualquer coisa, menos de reforma tributária. Na falta de uma palavra melhor, o deputado Frederico Antunes, líder do governo, usa “projeto de transição”. O deputado Sérgio Turra (PP) prefere “ponte” para atravessar o momento de pandemia e discutir uma reforma com mais tempo, sem o regime de urgência que interdita o debate.
Essa ponte nada mais é do que a prorrogação (com alguma perfumaria) das alíquotas de ICMS que vigoram desde 2016 e que deveriam voltar aos níveis de 2015 em 1º de janeiro. Para não dizer que é mais do mesmo votado em 2015 e renovado em 2018, propõe-se a redução gradual da alíquota básica dos 18% atuais para 17% a partir de 2023, a cobrança de IPVA de carros entre 20 e 30 anos, a devolução de parte do tributo para famílias carentes e o atendimento de uma antiga reivindicação do comércio, o fim do chamado imposto de fronteira, que até já está consignado em lei.
Os princípios da reforma tributária, tão caros a Leite, ao secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, e aos técnicos que formataram a proposta, não foram aceitos pelos deputados.
Na disputa de narrativas, o governo foi derrotado pelo senso comum, apesar de ter o aval de renomados tributaristas, como Bernard Appy, que classificavam a proposta como moderna, arrojada e compatível com a ideia de justiça tributária.
Como nos naufrágios de navios, não foi um fator só que afundou a proposta original, mas um conjunto de motivos com potencial para formar a tempestade perfeita. A saber:
Pandemia e seus efeitos
Com as reuniões presenciais limitadas pela necessidade de distanciamento social, os deputados, que têm o poder de decisão, foram apresentados ao projeto em reuniões virtuais, muitos acompanhando a apresentação de lâminas pela tela minúscula do celular. Sem os encontros em que tiravam dúvidas no Galpão Crioulo do Piratini ou sugeriam mudanças diretamente ao governador, o diálogo ficou truncado. O deputado Sérgio Turra diz que faltou o “olho no olho”. Foram muitas reuniões, mas os deputados desligavam o celular ou o computador com a sensação de que estavam apenas sendo comunicados do conteúdo.
Complexidade do tema
O sistema tributário é pouco familiar para a maioria dos deputados, que dependem das assessorias técnicas para traduzir o conjunto de mudanças, mas qualquer um entendia que haveria aumento do IPVA e do ICMS de alimentos e remédios. Por mais que o governo repetisse que esses aumentos seriam compensados pela redução do ICMS de energia, combustíveis e telecomunicações, a mensagem que colou foi a da elevação.
Campanha contra
Adversários da reforma colaram no projeto o rótulo de “aumento da carga tributária”, mesmo que a previsão de arrecadação em 2021 fosse levemente inferior à deste ano. Seria aumento em relação à expectativa de queda com o retorno das alíquotas ao patamar de 2015, mas o fato de alguns produtos terem, de fato, elevação de carga, ofuscou as compensações, como a redução no preço da gasolina, da energia e das comunicações.
Resistência ao novo
A devolução do ICMS para as famílias de baixa renda foi bombardeada por não ter precedentes. “Não vai dar certo”, “pobre não compra com nota fiscal”, “as pessoas não vão conseguir receber o dinheiro” eram expressões usadas em tom de certeza.
Ano eleitoral
Com sete deputados concorrendo a prefeito e enfrentando adversários contrários à reforma, aliados do governo não quiseram correr o risco de perder votos. O MDB fechou questão contra o projeto e abriu caminho para a debandada.
Resistências setoriais
A proposta de corte de benefícios ficais mobilizou os líderes dos setores atingidos. Além dos dirigentes de federações empresariais, representantes de cada um dos segmentos afetados cercaram os deputados tentando defender o seu quinhão. Diferentemente das reformas administrativa e previdenciária, que atingiram servidores em um momento de fragilidade das organizações sindicais, a reforma tributária enfrentou lobbies poderosos e a rejeição popular, pela resistência natural ao pagamento de impostos.
Discurso não colou
Logo que apresentou a reforma, o governo tentou emplacar o discurso de que a proposta significava redução de impostos para as famílias. Bem ou mal, a população tinha ciência de que o aumento aprovado no governo Sartori e renovado em 2018 era temporário e esperava uma redução imediata de tributos a partir de 2021. Também não funcionou a estratégia de vincular a redução das atuais alíquotas majoradas de ICMS à aprovação de toda a reforma.
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