Nunca tinha usado máscara. Na época da H1N1 cheguei a comprar um pacote, mas não foi preciso usar. Com a mudança na orientação das autoridades sanitárias, que antes só recomendavam o uso para os profissionais da área ou para os pacientes com sintomas compatíveis com os da covid-19, a recomendação é todo mundo usar máscara quando sair para a rua.
Estreei a máscara no sábado para ir ao supermercado. Era um modelo simples da 3M, comprado em uma loja de equipamentos médicos por R$ 22. O desconforto me fez ainda mais solidária com os profissionais que precisam trabalhar com esses aparatos o tempo todo. Para a proteção completa, calcei as luvas descartáveis e fui fazer as compras da semana.
Sentia-me um ser de outro planeta vagando pelos corredores silenciosos. Antes repleto de clientes nas manhãs de sábado, o supermercado estava meio vazio. As máscaras se multiplicaram: de perfex presas às orelhas com borrachinhas de cabelo, de tecidos coloridos, de não-tecido, como se vê nos hospitais, e até as N-95, que deveriam ser exclusivas dos profissionais de saúde.
Estranhei a quantidade de senhoras na faixa dos 70 anos.
— Se meu filho descobre que estou aqui, me mata — ouvi uma senhorinha dizer para uma conhecida na fila do caixa.
Não vi ninguém enchendo o carrinho de papel higiênico, como nos primeiros dias. A normalização da quarentena pode ser percebida nos detalhes: na fila ao lado da minha, duas mulheres tinham vasos de flores na lista de compras.
Passamos o fim de semana na casa de Eldorado, nosso isolamento número 2. Desde que Eduardo e Luiza entraram na adolescência, é a primeira vez que passamos juntos, os quatro, três fins de semana seguidos nesse refúgio que construímos quando ela ainda estava na barriga.
A seca praticamente acabou com a horta e sacrificou o jardim, mas a pequena buganvília está repleta de flores, a jabuticabeira promete uma safra generosa e algumas roseiras gestam rosas que desabrocharão nos próximos dias.
Como no tempo em que as crianças eram pequenas, o jardim virou uma barbearia. A gente descobre habilidades que nem imaginava...
Com a maquininha que veio da China, Tailor cortou o cabelo do Eduardo e eu cortei o dele. Nos revezamos na cozinha e estamos aprimorando a arte de reaproveitar as sobras. Em tempos de guerra, nada se perde, tudo se transforma, como aprendemos com Lavoisier.
Como era meu fim de semana de folga, pretendia passar a entrevista das 17h com a equipe do Ministério da Saúde, mas quem vive de notícias não consegue se alienar. Liguei a TV. No balanço de sábado, chegamos a 10.278 casos e 431 mortes.
Mais tarde, no Jornal Nacional, o balanço do mundo. E a notícia de que o primeiro-ministro britânico Boris Johnson estendeu a quarentena porque segue com febre. No domingo, fim de tarde, a notícia de que Johnson foi hospitalizado. A "gripezinha" está castigando o primeiro-ministro, que no início era contra o isolamento. Até a rainha Elizabeth II entrou em cena para pedir aos súditos que fiquem em casa.
Ainda no sábado, o presidente Jair Bolsonaro postou um vídeo com vários pastores pedindo aos fieis para que fizessem jejum no domingo para enfrentar o demônio do coronavírus. Fiquei matutando: quantos deles terão passado o domingo a água e água.
No domingo, a milícia virtual bem alimentada e inspirada no ex-astrólogo Olavo de Carvalho, o escatológico, foi para as redes difamar o ministro Luiz Henrique Mandetta, agora chamado até de comunista. E o presidente, que já não esconde o desejo de se livrar de Mandetta, mandou mais um dos seus recados sutis como pisada de elefante para ver se o ministro se rende.
Enquanto vociferava contra Mandetta (e talvez contra outros ministros que estão alinhados a ele, já que falou no plural), a plateia no cercadinho respondia “Amém”.
— Algumas pessoas no meu governo, algo subiu a cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações. Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usara a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem - disse Bolsonaro.
O jornal O Estado de S.Paulo tentou ouvir o ministro sobre as alfinetadas, mas Mandetta se esquivou:
— Eu estou dormindo. Amanhã eu vejo, tá?
Últimos dados oficiais da evolução do coronavírus no Brasil: 486 mortes e 11.130 casos. Na Itália, o número de mortes diárias começou a baixar, mas ainda são mais de 500 a cada 24 horas.