A novela judicial em que se transformou a rescisão do contrato com a Cais Mauá do Brasil, que venceu a licitação no governo de Yeda Crusius e não realizou as obras previstas, teve mais um capítulo decisivo nesta terça-feira (18). Em um despacho de 17 páginas, a juíza Daniela Cristina de Oliveira Pertile Victoria, da 6ª Vara da Justiça Federal, negou liminar à empresa por entender que não há ilegalidade no procedimento do Estado ao rescindir unilateralmente o contrato.
"Assim, diante de uma análise sumária dos documentos anexos aos autos, não verifico as ilegalidades apontadas pelo autor (empresa), necessárias para o deferimento da tutela pretendida, sendo despicienda a análise do periculum in mora (risco de decisão tardia), dado o caráter de cumulatividade desses elementos. Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação de tutela", decidiu a magistrada.
A Cais Mauá do Brasil pedia a liminar para suspender a rescisão unilateral do contrato oficializada pelo governador Eduardo Leite em maio do ano passado, e impedir o governo do Estado de realizar qualquer ato de contratação de terceiros enquanto tramitasse a ação.
Já a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) sustentou que a empresa descumpriu cláusulas do contrato. O procurador-geral, Eduardo Cunha da Costa, comemorou a decisão:
— Tivemos de ser firmes na guerra da narrativas, mas sabíamos que o procedimento que adotamos era o mais adequado para o interesse público.
Na decisão, a magistrada escreveu: "Em realidade, a rescisão, ao que tudo indica, deu-se com vistas ao interesse coletivo, considerando-se que a população é quem seria, em última análise, a destinatária do contrato, cujo objeto envolveria a revitalização do Complexo Cais Mauá, incluindo a construção, implantação, manutenção, conservação, melhoria, gestão, exploração e operação de especialistas em áreas de cultura, lazer, entretenimento, turismo e empresarial. Nessa toada, não se reputa razoável impedir o Poder Público de selecionar nova empresa que apresente real capacidade econômico-financeira para a consecução de tão relevantes objetivos. Paralisar nova contratação com essa finalidade, para, em contrapartida, atender suposta necessidade de uma empresa específica, seria temerário ao interesse público".
A juíza salienta o Complexo Cais Mauá de Porto Alegre foi considerado patrimônio histórico brasileiro, o que, inclusive, justificou seu tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
"Por conseguinte, descabido seria impedir a Administração de dar seguimento aos procedimentos que visem a correta destinação da área pública, que já está há muito abandonada pela parte autora, em evidente prejuízo ao interesse da coletividade", escreveu.
Relembre o impasse que envolve o Cais Mauá:
2019
Fevereiro
Dia 22
O governador Eduardo Leite cria um grupo de trabalho para analisar a execução do projeto de revitalização do Cais Mauá e apresentar alternativas para a obra sair do papel.
Abril
Dia 5
O consórcio responsável apresenta à Superintendência de Portos do RS o plano de implantar o Marco Zero (projeto-piloto da revitalização), depois chamado Embarcadero, além de um pedido de prorrogação da concessão por mais 25 anos, perdão da dívida com o Estado e retomada do pagamento de 10% do arrendamento da área a partir de 2021 para viabilizar a busca de novos investidores.
Dia 11
O grupo de trabalho da Secretaria de Logística e Transportes apresenta ao governador o relatório sobre a concessão do cais. Eduardo Leite encaminha o estudo para análise jurídica da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Dia 15
Representantes da empresa Cais Mauá do Brasil apelam ao governador por uma repactuação do contrato por meio de um grupo de trabalho e autorização para dar seguimento às obras do atual Embarcadero. Leite se compromete a discutir a proposta internamente.
Maio
Dia 2
O procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, entrega a Leite um estudo jurídico sobre a concessão do cais, que apresenta as possíveis consequências das alternativas em análise pelo Executivo, desde a manutenção até o rompimento do contrato. No dia 10, seria entregue o parecer jurídico final com 41 páginas.
Dia 30
O governador anuncia o rompimento unilateral do contrato de concessão com a Cais Mauá do Brasil com base nos pareceres do grupo de trabalho e da PGE. A medida cita o descumprimento de seis cláusulas contratuais, como a falta de obras relevantes e de qualificação financeira, dívida de R$ 6,7 milhões do arrendamento e falta de manutenção dos pavilhões.
Julho
Dia 24
A Cais Mauá do Brasil alega, entre outros pontos, que boa parte do atraso na revitalização foi devido à demora para a obtenção das licenças necessárias à obra. Mas, no dia 24, o governo nega o recurso administrativo movido pelo consórcio e publica a decisão no Diário Oficial. Com isso, o Piratini busca retomar a posse da área.
Agosto
Dia 9
A empresa Cais Mauá entra na Justiça contra Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Superintendência do Porto de Rio Grande (responsável pelo cais na Capital), governo estadual e União buscando manter o contrato, mas a 6ª Vara Federal de Porto Alegre extingue o processo entendendo que o caso não seria de sua competência.
Dia 20
Em razão de uma apelação do consórcio, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) concede liminar à empresa suspendendo o efeito da sentença anterior e a rescisão do contrato. Assim, a posse da área é mantida pela Cais Mauá.
Setembro
Dia 4
A PGE recorre ao TRF4 contra a decisão de suspender a rescisão do contrato com o consórcio.
Outubro
Dia 1º
A Antaq autoriza o Estado a assinar contratos temporários envolvendo o Cais Mauá, no mesmo dia em que o governador Eduardo Leite vai ao TRF4 pedir agilidade no processo e apresentar argumentos pela rescisão do contrato.
Dia 4
O desembargador do TRF 4 Ricardo Teixeira do Valle Pereira determina que o caso seja apreciado pela primeira instância da Justiça Federal.
2020
O processo foi reiniciado na 6ª Vara da Capital.