A revelação do procurador aposentado Rodrigo Janot de que planejou matar a tiros o ministro Gilmar Mendes, em 2017, não pode ser tratada como irrelevante só porque na hora de apertar o gatilho ele mudou de ideia. Trata-se da confissão de um homem que, por quatro anos, esteve entre os mais poderosos da República.
Na condição de procurador-geral, Janot denunciou autoridades e comandou processos cruciais para o país. Se estava mentalmente perturbado a ponto de entrar armado no Supremo Tribunal Federal (STF) para matar um desafeto e disposto a se suicidar depois, fica a dúvida sobre como conduziu o Ministério Público Federal (MPF) nesse período de crise emocional.
Imaginar que Janot inventou a história apenas para vender o livro autobiográfico que deve ser lançado nos próximos dias é uma simplificação grosseira. É óbvio que quem escreve um livro ou abre sua vida a um escritor profissional quer que a obra seja lida, mas daí a criar uma fantasia de que esteve prestes a cometer um crime de repercussão mundial, para ganhar notoriedade, vai uma distância imensa.
De certa forma, o que Janot fez foi matar a própria imagem de procurador que buscava Justiça. É verdade que essa imagem tinha ficado arranhada com o absurdo acordo de delação premiada que fez com os donos da JBS, mas agora foi além e será visto como um homem perigoso até pelos vizinhos.
A confissão de Janot teve outro efeito colateral: despertou os instintos mais primitivos de pessoas que não gostam de Gilmar Mendes e que usaram as redes sociais para lamentar que o procurador não tenha levado a cabo seu intento.
Só uma sociedade doente pode achar que um tiro é a maneira adequada de questionar as decisões polêmicas de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Aliás
Se não tivesse confessado que pensou em matar Gilmar Mendes em 2017, Rodrigo Janot continuaria autorizado a andar armado e com livre acesso ao prédio do STF. Agora, teve o porte cassado e está proibido de se aproximar dos ministros.