Um dia após o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot revelar que pensou em matá-lo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes comentou sobre o fato na manhã desta sexta-feira (27). Em nota, o ministro confessou estar "algo surpreso" com a revelação e recomendou que o ex-chefe da PGR procure ajuda psiquiátrica.
"Sempre acreditei que, na relação profissional com tão notória figura, estava exposto, no máximo, a petições mal redigidas, em que a pobreza da língua concorria com a indigência da fundamentação técnica. Agora ele revela que eu corria também risco de morrer", disse Mendes.
Janot disse na quinta-feira (26), em entrevista ao Estadão, que entrou uma vez no STF armado com uma pistola com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes, por causa de insinuações que ele fizera sobre sua filha em 2017. O ex-chefe da PGR afirmou que seu plano era matar Gilmar Mendes antes do início da sessão no plenário do STF e depois se suicidar.
Mendes chamou a situação exposta por Janot de "oportunismo e covardia", já que "buscava apenas o livramento da pena que adviria do gesto tresloucado". O ministro, ainda segundo a nota, lamentou o fato de que "uma parte do devido processo legal no país ficou refém de quem confessa ter impulsos homicidas".
"Recomendo que procure ajuda psiquiátrica. Continuaremos a defender a Constituição e o devido processo legal", disse.
Ainda nesta sexta-feira, Gilmar comentou a revelação feita por Janot a veículos de imprensa.
— Os senhores sabem que eu fui, no Supremo Tribunal Federal, sempre um crítico dos métodos do procurador Janot. Divergências de caráter intelectual e institucional. Não imaginava que nós tivéssemos um potencial facínora comandando a Procuradoria-Geral da República (PGR) — declarou o ministro, na saída de um evento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
— Imagino que todos aqueles que foram os responsáveis por sua indicação, ele foi duas vezes procurador-geral, devem estar hoje pensando na sua alta responsabilidade em indicar alguém tão desprovido de condições para as funções — acrescentou.
Questionado se as declarações de Janot contaminam as investigações da Lava-Jato, o ministro reagiu:
— Entendo que, na verdade, elas foram feitas por um tipo de pessoa com essa qualidade psicológica, com essa personalidade e, por isso, precisam ser analisadas a partir dessa perspectiva.
Gilmar afirmou que o episódio demonstra "o quão errado" é o modelo "hoje corporativo de escolha de membros do Ministério Público para essa função". Opinou que o sistema político terá de descobrir novos critérios, talvez abrindo a possibilidade de nomeação entre "todos os juristas do Brasil".
— Isso é um pouco o fim de um modelo, eu acredito. Passaram a escolher quem? Passaram a escolher pessoas que não tinham qualificação jurídica, não tinham qualificação moral e não tinham qualificação psicológica para exercer essa função — defendeu.
Desentendimento
A desavença entre o ministro e o ex-chefe da PGR teria ocorrido, segundo Janot, durante a análise de um habeas corpus do empresário Eike Batista. Em maio de 2017, como procurador-geral, Janot pediu a suspeição de Gilmar Mendes em casos do empresário, que se tornara alvo da Lava-Jato e era defendido pelo escritório de advocacia do qual a mulher do ministro, Guiomar Feitosa Mendes, é sócia.
O ministro do STF reagiu, na época, levantando suspeitas sobre a atuação da filha do procurador, Letícia Ladeira Monteiro de Barros, que é advogada e representara a empreiteira OAS no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Segundo Gilmar, a filha do ex-PGR poderia "ser credora por honorários advocatícios de pessoas jurídicas envolvidas na Lava-Jato".
Revelações em livro
O ex-procurador narra o episódio no livro de memórias Nada Menos que Tudo, que será lançando neste mês, sem nomear Mendes. A publicação também abordará outras figuras públicas como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-senador Aécio Neves e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.